FONTES D'ART - Técnicas de restauração e conservação

 

OBRAS DE ARTE EM FERRO FUNDIDO  

TÉCNICAS DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO 

 

Seminário Internacional - Rio de Janeiro - 1 e 2 de Julho de 1997

 

 
 

Tradução simultânea do evento e tradução deste texto:

Francis Wuillaume

 

Website desenvolvido e mantido por:

 

AGRADECIMENTOS

 
Ao Sr. Prefeito da cidade do Rio de Janeiro
À Sra. Presidente da Fundação Parques e Jardins,
À Sra. Eulalia Junqueira, coordenadora do colóquio

Ao Sr. Presidente da Light
Ao Sr. Carlos Birr-Meza, chefe de gabinete do presidente da Light

Ao Sr. Jacques Paul Cassinelli

À Sra. Annick Texier, do Laboratório de Pesquisa de Monumentos Históricos

À Sra. Grémont, curadora da Fundação Coubertin
Ao Sr. Jean Dubos, diretor técnico da fundição Coubertin

Ao Sr. Stéphane Pennec - LP3 Semur-en-Auxios

Ao Sr. Serge Valle - CTS - Vitry-le-François

Ao CTIF, centro técnico das indústria de fundição: Sr. Candotti

Às empresas GHM Fonderie d'art, Fonderies de Tréveray, Aciéries Hachette et Driout.

 

NOTA

 

O presente documento contém apenas as sete palestras proferidas pelos três membros da ASPM (Associação para a Salvaguarda do Patrimônio Metalúrgico da Haute-Marne) e da fundição artística GHM.

Os atos do colóquio serão alvo de publicação ulterior e incluirão:

 os discursos de abertura da Sra. Presidente da Fundação Parques e Jardins,

o discurso de encerramento proferido pelo Sr. Carlos Birr-Meza, chefe de gabinete do presidente da Light,

bem como as seguintes comunicações:

A transformação urbana do Rio de Janeiro nos séculos XIX e XX, por Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, assessor do Prefeito do Rio de Janeiro,

O acervo da Fundação Parques e Jardins no Rio de Janeiro e do Brasil, por Eulalia Junqueira, coordenadora do Centro de Pesquisas e do colóquio,

História da Light e da fundição dos candelabros cariocas, por Paulo Roberto Tavares Ferreira,

Comunicação do Diretor da Fundação Parques e Jardins.

 
 

Nascida por volta de 1830, fruto do encontro da arte com a indústria, a fundição artística francesa irá muito rapidamente ser reconhecida e elogiada, não só pelos júris das exposições universais mas também por um público amador cada vez mais numeroso.

Mais de 200 grandes escultores também irão pisar a areia de nossas fundições para aperfeiçoar, juntamente com os engenheiros, as técnicas permitindo a reprodução ad infinitum de suas obras mais representativas. Quem desconhece os nomes de Carpeaux, Carrier-Belleuse, Bartholdi, Guimard ou Rude?

Desta estreita colaboração irão nascer obras excepcionais, existentes atualmente tanto em museus (estátuas da praça em frente ao museu d'Orsay, saguões da estação Guimard do metrô...), como nas metrópoles do mundo inteiro.

Com mais de 150 obras artísticas francesas em ferro fundido, a cidade do Rio de Janeiro é uma ilustração espetacular do gênio interpenetrado do escultor e do fundidor. Tornou-se a vitrine internacional desta arte em série, hoje considerada apenas como Arte.

Tais obras de arte fundidas foram objeto de uma redescoberta iniciada em 1992 pela ação de Jacques Paul Cassinelli, representante de Electricité de France e ASPM, Associação para a Salvaguarda e Promoção do Patrimônio Metalúrgico da Haute-Marne. A cidade do Rio de Janeiro possuindo a maior parte destas obras, Eulalia Junqueira, da Fundação Parques e Jardins, uniu-se logo depois às pesquisas.

Em 1995, a exposição "Fontes de Arte", apresentada na Casa França-Brasil, representou não só a conclusão das profundas pesquisas empreendidas em ambos os lados do Atlântico mas também a revelação de um patrimônio excepcional, embora pouco conhecido dos cariocas.

 

Na mesma época, o prefeito do Rio de Janeiro e o presidente da Fundação Parques e Jardins desejaram perenizar o trabalho empreendido por meio da assinatura de dois convênios pelos quais foi instaurada uma associação entre a cidade e a ASPM envolvendo as dimensões históricas, artísticas e técnicas destas obras em ferro fundido.

Tal associação envolve não somente as obras em ferro fundido do Rio de Janeiro como as de outras cidades brasileiras: Manaus, Recife, Salvador, Petrópolis e Belém, em particular.

O seminário dos dias 1 e 2 de Julho é consequência dos convênios assinados. A fundição de arte G.H.M., herdeira das duas maiores fundições de arte francesas, Durenne e Val d'Osne, vem trazer um know-how aperfeiçoado desde 1835.

A vocação desta manifestação é de preservar, pelo restauro e manutenção, o excepcional patrimônio do Rio de Janeiro, do Brasil e de todos os países do Novo Mundo que o possuem  (Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Chile, Argentina e México).

Para nós, europeus, auscultar estas obras em ferro fundido moldadas há mais de um século e meio em nossa areia e confeccionadas a partir do minério de ferro de nossa terra natal é uma aventura apaixonante. Vê-las viver sob outros céus e integrar-se perfeitamente num urbanismo diferente é uma revelação: a da universalidade desta arte em série que não envelheceu.

 

Elisabeth Robert-Dehault

 

 

 

I - 1  HISTÓRIA DA FUNDIÇÃO ARTÍSTICA

A historia da fundição artística é, antes de tudo, a história da fundição de ferro, material fetiche de um século XIX cuja palavra-chave era o progresso.

Percorrendo o imenso canteiro a céu aberto que era Paris no século passado, o barão Haussmann pedia: "Ferro, mais ferro!". De ferro e ferro fundido, Paris não sentirá falta. Estes materiais participarão da construção de pontes e grandes prédios públicos, harmonizarão as fachadas dos imóveis com os balcões e apoios de janela, investirão sobre a paisagem urbana com milhares de lamparinas, acessos do metrô Guimard, colunas Morris, grandes chafarizes ou as famosas fontes Wallace, estátuas e vasos.

Da mesma forma que em Paris, o ferro fundido marcará de modo indelével e atemporal a arquitetura e o urbanismo das metrópoles não somente européias mas do mundo inteiro.

O ferro fundido é o mais antigo dos produtos ferrosos moldados visto que os chineses já o utilizavam no século VI A.C. Disseminado pela Europa desde o século XIV com o surgimento dos altos-fornos, o material será utilizado para fabricar canhões, sinos, peças de forno e de chaminé e canalizações de água. As técnicas de refundição e moldagem são aperfeiçoadas e novas aplicações são tentadas.

A primeira realização importante foi a ponte Coalbrookedale, construída em 1779, na Inglaterra, por Abraham Darby.

A França aguardará até o início do século XIX para lançar-se em construções tão audaciosas: a ponte das Artes e o domo da Halle au Blé, em Paris, por exemplo.

A partir de 1830, o ferro fundido torna-se presença constante na construção. O material faz concorrência ao bronze e substitui o ferro forjado, a pedra e a madeira. Dessa forma, a utilização de colunas em ferro fundido nos prédios públicos permite a construção de espaços internos de elevado pé-direito, muito espaçosos e claros (a bibliotecas Santa Genoveva e Nacional, em Paris). Da mesma forma, a estrutura das Halles de Paris, construídas por Baltard a partir de 1845, recorreu copiosamente ao material.

Em todas essas construções, o ferro fundido permite dar aos próprios elementos da estrutura um aspecto decorativo por meio da qualidade das decorações moldadas, das quais ornamentos de colunas foram muito utilizados.

Ao mesmo tempo, a aparição e a multiplicação do mobiliário urbano - primeiro os candelabros e, logo em seguida, os chafarizes, bancos, grades e quiosques - apoiou-se no recurso quase exclusivo do ferro fundido.

O ferro fundido moldado, com seus ornamentos muito trabalhados, torna-se um componente maior das paisagens urbanas do século XIX. O modelo europeu será disseminado pelo mundo inteiro.

As estátuas em ferro fundido, material que permite a reprodução das peças originais em vários exemplares, ocupam um lugar cada vez mais destacado. O material dará inspiração ao gênio criativo de muitos escultores do século passado.

A fundição artística nasceu nos anos 1830. Os primeiros fundidores artísticos franceses são Jean Pierre Victor André, em Val d'Osne, Haute Marne, Calla em Paris, Ducel em Pocé, Indre.

Quem foi o primeiro? Aparentemente, o Le Val d'Osne, caso se acredite no relatório da exposição universal de 1844: "Deve ser lembrado que o senhor André é o criador da moldagem em Champagne: acreditou-se durante muito tempo que as nossas fundições, geralmente convertidas em ferro, não dispunham das qualidades necessárias para serem usadas em bronze. Assim, confeccionava-se apenas marmitas e placas. O senhor André foi o primeiro a tentar utilizar o ferro fundido para outros fins".

Outros grandes fundidores, como Muel em Tusey-Vaucouleurs, Meuse, Durenne em Sommevoire, Capitain-Gény em Bussy, Fundições de Saint-Dizier (parceiros exclusivos de Hector Guimard) em Haute-Marne, Denonvilliers em Sermaize-sur-Saulx, Marne, Thiébaut em Paris e Voruz em Nantes, produzirão de modo consequente peças ornamentais que podem ser admiradas até hoje no mundo inteiro.

Na ausência quase total de arquivos, é difícil reencontrar os primeiros tempos da fundição artística. Contudo, a produção é bem conhecida através dos catálogos editados pelos fundidores nos anos 1840: "o sistema de catálogos surge quando a produção torna-se demasiadamente importante para ser absorvida pelo mercado regional. Assim, é preciso passar pelo concessionário que dispõe de catálogos", escreverá Annette Laumon em "Fleur de fonte" de 1986.

Comportando mais de 700 estampas, esses álbuns propõem ao comprador uma extraordinária variedade de produção : 40.000 objetos diferentes recenseados em apenas um dos cinco catálogos do Val d'Osne encontrados. A fundição ornamental está registrada sob todas as letras do alfabeto: "A" de apoios de janela, arquivoltas, anjos adoradores, animais e grupos (15 estampas, comportando cada uma vários modelos); "B" de balcões, balaústres e balaustradas, bordas de chafariz, bancos e bustos; "C" de calvário, candelabros (50 estampas), cristos, cátedras de pregação, cruzes, colunas ornadas, cães, corbelhas; "E" de estátuas (51 estampas comportando de 8 a 12 diferentes modelos); "F" de fontes diversas (35 estampas); "T" de tanques de chafarizes; "V" de vasos e taças (37 estampas), virgens...

Esses catálogos, raramente datados, são verdadeiras obras de arte, luxuosamente encadernados. Os modelos são exibidos sob a forma de gravuras reproduzidas fielmente e classificadas por gênero. O nome dos escultores consta com frequência bem como informações sobre tamanho, peso e, às vezes, preço.

As primeiras estátuas fundidas foram realizadas a partir de modelos provenientes da oficina de moldagem do museu do Louvre. Tais obras são efetivamente cópias de trabalhos antigos: Diane de Gabies, Apolo de Belvedere, Hígia, Vênus de Milo ou cópias de obras anteriores ao século XIX, especialmente apreciadas pelo público: Amor de Canova, Moisés de Michelangelo, Hipomène et Atalante de Lepautre e Coustou, Amor talhando seu arco na clava de Hércules de Bouchardon, Mercúrio de Jean de Bologne.

O sucesso destas primeiras realizações atrairá adeptos entre escultores, que irão propor determinadas criações à reprodução múltipla. Assim, mais de 200 escultores, dentre os quais Bartholdi, Carpeaux, Carrier-Belleuse, Diélbot, Guimard, Jacquemart, Mathurin Moreau, Pradier, Rouillard e Rude, irão criar, em colaboração com os fundidores, modelos para ferro fundido destinados a serem moldados em série para ornamentarem não somente praças, chafarizes e jardins públicos como também o interior das residências de uma burguesia em expansão, ávida por presentear-se com moradas principescas.

Não faltou coragem para esta iniciativa dos escultores. Com efeito, uma obra de arte deve ser única ou, pelo menos, rara. Quer sejam em mármore ou em bronze, os exemplares replicados a partir de um modelo original eram limitados. Em seguida, o modelo era, muitas vezes, destruído pelo escultor. Deixar reproduzir suas obras em ferro fundido, material pouco nobre, numa quantidade indefinida parecia então uma iniciativa baixamente mercantil e insultuosa para o gênio do escultor.

Esta arte em série, "aliança entre duas marcas de qualidade", permitia oferecer ao público obras com assinaturas admiráveis a preços abordáveis.  "...o ferro fundido ganha do cobre por seu preço inferior. O ferro moldado é encontrado hoje a preços tão baixos que pode substituir com vantagens a madeira e a pedra" escrevia  Guettier em 1847.

Os catálogos assegurando a difusão da produção das fundições de arte, as exposições universais, misturas dos povos e das inovações que marcariam o século XIX, irão assegurar sua difusão internacional.

Sucessoras das exposições nacionais ou internacionais, as exposições universais serão "utilizadas como emblemas do progresso, símbolos das transformações em curso no mundo da produção ou da cidade". Elas constituem, a partir da segunda metade do século XIX, eventos mundiais cujas repercussões são múltiplas: políticas, econômicas, tecnológicas e, por fim, artísticas.

Catherine Chevillot, curadora do museu de Orsay, escreverá na Revista da Arte (95-1992/1) que elas "contribuíram para difundir o gosto pelo belo em todas as classes da sociedade. Pois qualquer progresso tem como efeito o combate à rotina e à ignorância".

Os fundidores artísticos expõem desde 1851, em Londres, no famoso Crystal Palace, palácio em ferro e vidro. Não hesitam em exibir objetos monumentais. Em 1862, Val d'Osne exporá, novamente em Londres, uma fonte monumental de dez metros de altura, idêntica à peça instalada na praça Monroe, no Rio.

Uma das primeiras leis econômicas reza que a produção somente acontece quando há mercado. No século XIX, o mercado da fundição artística está no auge. O urbanismo, ciência da moda, privilegia a arte de viver em metrópoles em crescimento e as fortunas privadas que vão se formando fazem florescer residências e jardins particulares. Para ornar suas realizações, os arquitetos, paisagistas e decoradores optam  pela arte em ferro fundido.

Em compensação, pode-se afirmar que o mercado somente se desenvolve se a produção satisfaz. No século XIX, a qualidade dos modelos e das reproduções em ferro fundido era tão elevada que o mercado irá explodir muito além das fronteiras européias.

Os relatórios das exposições universais tecem regularmente elogios às fundições artísticas francesas: Ao final da Exposição Universal de 1862, o relator escrevia: "se existe uma indústria na qual a França está incontestavelmente à frente de todos os países, esta é a da fundição artística... Estimamos que, à frente de todos aqueles que se dedicam a essa indústria, posiciona-se o senhor Durenne. Melhores do que a fonte do jardim da Sociedade Real de Horticultura são as peças brutas em ferro fundido expostas no palácio. Tais peças não são apenas admiráveis pela fineza de suas costuras, menos espessas do que a lâmina de uma faca, qualidade preciosa que evita o cinzelamento em razão da nitidez e do polimento de sua superfície. Em tais peças, a ferramenta nada tem a fazer".

Enfim, se a fundição artística nasceu do encontro do escultor com o fundidor e se o "industrial tornou-se artista e o artista industrial", não devemos esquecer a matéria suporte da arte: o ferro fundido: material excepcional que, um século e meio após ter sido moldado, ainda causa admiração por sua qualidade, resistência e atualidade. Não continua ele sendo o preferido dos designers para o mobiliário urbano, por exemplo?

Antes de abordar o assunto principal, isto é, o ataque aos fenômenos da corrosão e as técnicas de restauração do ferro fundido, proponho travarmos conhecimento com aquela que foi a maior fundição de arte da Europa, a Val d'Osne. Considerando que as peças artísticas em ferro fundido no Brasil, como aquelas reencontradas nas duas Américas - Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile, México e Venezuela - eram, em sua maioria originárias de Val d'Osne, julgo necessário apresentar um rápido resumo histórico sobre esta empresa, também representativo da história de suas co-irmãs.

 

I - 2  VAL D'OSNE, BERÇO DA FUNDIÇÃO ARTÍSTICA

Em 1833, Jean Pierre Victor André, administrador de forjas, decide lançar-se nesta aventura e, em 28 de Outubro de 1834, solicita ao rei Luís-Felipe autorização para construir um alto-forno. Sua escolha recai curiosamente num local antigamente ocupado por um mosteiro, afastado da cidade e escondido no fundo de um vale: Val d'Osne. Naquela época, todas as usinas eram  instaladas sobre cursos d'água de vazão regular e suficiente para provocar o giro das rodas d'água. O Osne é um riacho. Em compensação, minério de excelente qualidade abunda nas florestas próximas, bem como areia.

Autorizado por ordem real de 5 de Abril de 1836 para construir sua usina, Jean Pierre Victor André começa pela edificação do alto-forno, ainda existente até hoje, e inicia rapidamente uma produção voltada para a fundição decorativa: "a fundição ornamental era desconhecida antes do senhor Victor André. Limitava-se à produção de tubos, placas e potes. O senhor André montou de ponta a ponta a indústria da fundição ornamental do ferro fundido", escreverá em 1912 o cronista de Val d'Osne, abade Hubert Maréchal.

Ninguém sabe quais foram as motivações do industrial. Ele já tinha comprovado sua competência técnica em outros locais, porém, contrariamente a Antoine Durenne, também grande fundidor artístico da Haute-Marne, não encontramos nenhum vestígio de formação artística. André, no entanto, vivia em Paris e frequentava os escultores numa época em que a nasciturna revolução industrial atraía os criadores. Dentre os quais, Mathurin Moreau, autor de uma quantidade impressionante de modelos para Val d'Osne e que se tornaria um dos dirigentes dessa companhia.

A empresa desenvolveu-se. Em 1844 emprega 220 operários, cada vez mais especializados, e acrescenta a seu alto-forno (forno de primeira fusão) 2 "wilkinsons" ou cubilôs (fornos de segunda fusão) para aumentar a produção. Participa de todas as exposições nacionais ou internacionais, sendo premiada em todas elas. A morte prematura de André, em 1851, não lhe permitirá colher os frutos de seu trabalho nem participar dos espetáculos de arte e progresso que  as exposições universais se tornarão a partir daquele mesmo ano.

Contudo, junto aos maiores escultores do século XIX, ele permanecerá na origem deste matrimônio da arte com a indústria, que dará à fundição do ferro um extraordinário impulso, criando êmulos, aperfeiçoando novas técnicas e construindo uma obra que se tornará uma herança cultural para a Haute-Marne.

Após seu falecimento, sua esposa assumirá a direção da usina por quatro anos, vendendo-a em seguida a Gustave Barbezat, antigo "aluno" de seu marido, instalado em Paris.

Barbezat monta um segundo alto-forno, amplia a usina e desenvolve a atividade com novos modelos. Para seus operários, cujo quadro se expande, ele constrói, em 1866, alojamentos cujos últimos locatários partiram em 1987.

Em 1867, Val d'Osne é comprada por Fourment e Houillé & Cia., que assegura uma administração competente até 1870, continuando a desenvolver a fundição artística.

De 1870 a 1892, Val d'Osne vive, sob a razão social "Société Anonyme des Fonderies d'Art du Val d'Osne, um período de intensa atividade, durante o qual os belíssimos acervos de modelos de arte da usina Ducel serão adquiridos (1878), mas também de turbulência financeira que obriga um importante grupo de acionistas a assumir as rédeas do negócio e nomear, como principal executivo da empresa, Charles Hanoteau, engenheiro e antigo aluno da Escola Central de Paris. Hanoteau saneia o negócio enquanto  desenvolve uma política social destinada a melhorar as condições dos operários e de suas famílias.

Desde o final de 1872, Val d'Osne explora um processo de galvanoplastia aperfeiçoado em suas oficinas. Trata-se da patente dos senhores Gaudin, Mignon e Rouart, administradores de Val d'Osne, os quais Charles Hanoteau muito se empenhará para afastar. Este processo visava recobrir de zinco, cobre ou bronze o ferro fundido, a quente, por imersão em banho, ou a frio, por depósito eletrolítico. O objetivo era, naturalmente, a proteção da peça contra a oxidação e, portanto, a corrosão.

As estátuas do Rio de Janeiro aparentemente não foram beneficiadas por tal processo, que evita a corrosão do material por meio de fenômeno eletrolítico.

Em 1895, Hanoteau transfere seus poderes de administrador-delegado a seu filho Henri, também egresso da Escola Central, que ainda trabalharia lá em 1912.

Em 1917, o registro das horas de trabalho dos operários indica que eles fabricam essencialmente granadas e obuses. A usina foi provavelmente requisitada pelo governo francês durante a tormentosa primeira guerra mundial.

Em 1931, a sociedade Durenne, fundada por outro grande fundidor artístico da Haute-Marne, em Sommevoire, adquire Val d'Osne. A empresa torna-se assim a Société Anonyme Durenne et du Val d'Osne. O administrador de Durenne reorienta a produção para peças mecânicas, suprimindo progressivamente a fundição artística.

Se a fundição de arte da Haute-Marne dominava o mercado até 1939, modelos em ferro fundido serão, após a guerra,  muitas vezes refundidos em cubilôs (havia carência de matéria prima) e os modelos em gesso serão quebrados a marreta e jogados no lixo para dar lugar aos novos modelos. Somente os modelos religiosos escaparão, por respeito; o local onde eram estocados era chamado "o paraíso".

Val d'Osne cerrou definitivamente suas portas em 1986, no momento em que suas produções do século passado ganhavam os museus e eram objeto deobstinados leilões no mercado de arte.

O quadro de pessoal foi reaproveitado nas fundições da região. Descendentes de várias gerações de modeladores, moldadores e cinzeladores, eles perpetuam em outros lugares o seu know-how.

 

I-3  -  OS ARTISTAS COLABORADORES DE VAL D'OSNE : A EXPRESSÃO DE UMA ÉPOCA

O abade Maréchal escrevia em 1912: "Abordando a grande arte, o senhor André e seus sucessores não cessaram de criar os mais ricos modelos de estátuas, vasos, candelabros e chafarizes monumentais. Os artistas mais famosos  - Mathurin Moreau, Liénard, Pradier, Carrier-Belleuse, Jacquemart, Isidore Bonheur, Delaplanche, Rouillard e Gautherin - emprestaram-lhes sua ajuda e seu talento e colaboraram na formação de uma coleção única no mundo".

Essa coleção, rica de mais de 40.000 diferentes objetos, dispunha de 800 estátuas humanas e 250 estátuas de animais, todas representativas das correntes que influíram na arte do século XIX: romantismo, neoclassicismo, ecletismo, realismo...

Boa parte desses artistas, por intermédio dos fundidores, disseminaram-se pelo mundo, mais especialmente no Brasil. A cidade do Rio de Janeiro é um verdadeiro museu ao ar livre das produções do século XIX. Para nós, que pesquisamos em 33 países, fora a França, o patrimônio carioca é especialmente representativo: cerca de 150 peças em ferro fundido, fontes e chafarizes, estátuas, vasos e objetos decorativos. Mais de 70 diferentes modelos e 17 escultores franceses foram listados até o momento. Vamos partir atrás destes escultores pelas ruas do Rio:

 

Mathurin Moreau, com 3 chafarizes, um dos quais monumental, e 26 diferentes peças, monopoliza o assunto e reflete fielmente o conteúdo dos catálogos de Val d'Osne do século passado.

Nascido em Dijon em 18 de Novembro de 1822, Mathurin foi iniciado à arte por seu pai, o escultor Joseph Moreau. Mathurin e seus dois irmãos, Auguste e François, mais conhecido como Hippolyte, começaram ao lado do pai. Em 1841, ele ingressa na Escola de Belas-Artes de Paris, tornando-se aluno de Ramey e Dumont, que apreciam profundamente seu talento. Um ano mais tarde, é premiado com o segundo lugar em Roma e inicia no Salão em 1848. Mathurin Moreau terá uma longa e fecunda carreira repleta de sucesso e honrarias. Suas obras são inumeráveis. Num estilo sempre clássico, ele consegue, de uma forma elegante e requintada, encontrar na mulher uma fonte inesgotável de inspiração. Como administrador de Val d'Osne, ele cria inúmeros modelos e participa dos aperfeiçoamentos técnicos.

Mathurin Moreau no Rio de Janeiro:

Mais de 25 diferentes estátuas, criadas por esse artista, encontram-se no Rio, além do chafariz monumental da praça Monroe, realizado em colaboração com o arquiteto Liénard, com mais de 10 metros de altura e exposto pela primeira vez em Londres em 1862.

Vários chafarizes e fontes de Moreau ornamentam o Rio. Esses "castelos d'água", edificados no século passado em todas as grandes cidades, permitem fornecer água para todos e são símbolos de riqueza e modernidade.

O nascimento de Vênus é uma peça belíssima, cujo tema inspirou vários artistas.

Florença possui a obra de Botticelli... O Rio de Janeiro a de Mathurin Moreau.

São também obras alegóricas, celebrando:
• o progresso triunfante e seus filhos: a Indústria, o Comércio, a Ciência, a Agricultura e a Marinha;
• as virtudes praticadas pelas nações modernas: a Justiça, a Liberdade, a União, a Fidelidade;
• o mundo conquistado e o comércio internacional nascente: estátuas da Europa, Ásia, África, América e Oceania; também estátuas de Cristóvão Colombo, colocadas no mercado para as comemorações do terceiro centenário da descoberta da América em 1892;
• ou simplesmente as estações do ano. Embora essas estátuas existam em vários exemplares, nós, europeus, procuramos em vão o Inverno. Apenas a Primavera, o Verão e o Outono foram localizadas por aqui.

A invenção do gás de iluminação e, mais tarde, o nascimento da fada eletricidade vão orientar a inspiração artística para as tochas e candelabros. Tais peças assinadas por Mathurin Moreau são admiráveis: a Aurora e o Crepúsculo, encontrados em 5 diferentes lugares, são obras-primas de graça e leveza. Os corpos são belíssimos, ligeiramente encobertos por um véu, o braço erguido valorizando o busto perfeito. O ferro fundido é de extrema fineza e sua "pele" muito lisa. Em 1995, a cidade de Saint-Dizier adquiriu a Aurora e o Crepúsculo, de Mathurin Moreau, num leilão organizado no castelo de Cheverny. Preço: cem mil francos.

Duas outras tocheiras númidas, designadas "negras" nos catálogos, representam uma outra forma de exibir a magnificência da mulher e atender ao gosto do público. O exotismo colonial estava em voga. Em 1903, um par de tocheiras, semelhantes à peça pertencente à Secretaria de Cultura e Turismo, custava 1.100 Francos. Em 1990, elas foram adquiridas por 250 mil Francos.

Embora Mathurin Moreau fizesse parte dos mestres, venerados e incensados, ele não hesitou em lançar-se, juntamente com os fundidores, na produção de modelos menores. Como Hector Guimard que, no início do século, desenhava e encomendava todos os elementos decorativos das casas e imóveis que construía, Mathurin Moreau também se interessou por estátuas de jardim ou pilastras de escadaria. Assim, ele ilustrou de modo magistral a arte do ferro fundido que ornamentaria tanto castelos quanto cabanas.

 

Jean-Jacques Pradier (James Pradier) (1792/1852) foi, conforme consta, o mais famoso escultor da Monarquia de Julho (1830/1848). No início, um apaixonado pela pintura (foi grande amigo de Géricault), volta-se mais tarde para a escultura e vence, aos 21 anos, o Grande Prêmio de Roma. Acadêmico aos 37 anos, Pradier, apelidado de "o último dos gregos", produzirá uma obra consequente no centro da qual reinará a figura da mulher. Juliette Drouet, amiga de Victor Hugo, será seu modelo vivo.

Todos concordam em louvar a obra de Pradier, sensual e acadêmica... menos Baudelaire que, por ocasião do Salão de 1846, escrevia: "ele passou a vida a engrossar alguns torsos antigos e a ajustar em seus pescoços penteados de cortesãs... Este pelo menos sabe produzir carne..."...

As graciosas estátuas Harmonia e Melancolia, encontradas no Rio, desmentem o poeta.

 

Louis Leguesne (1815/1887), "aluno talentoso" de Pradier e classificado em segundo lugar em Roma em 1843, inicia a promissora carreira de escultor no decorrer da qual honrarias e encomendas afluirão. Sua obra mais conhecida é "o fauno dançante" (Jardim de Luxemburgo, Paris) que inspirará de Theophile Gauthier as seguintes linhas: "ele encontrou o ritmo de movimento, o balanço de linhas cujo segredo os antigos possuíam". Lequesne manifesta profundo interesse pelo ferro fundido com suas novas técnicas e cria um determinado número de modelos destinados à reprodução em série. Nada garante que ele tenha dado o melhor de si para modelar "o amor à lira", todavia o modelo possui o mérito de existir! Que a modéstia desta composição não oculte as demais peças em ferro fundido de Lequesne, particularmente um cavalo, fundido por Ducele, vendido há pouco tempo por 620 mil Francos.

 

Alphonse Lerolle, também aluno de Pradier, era apelidado "o barbediano do Marais", uma alusão à excelente qualidade das fundições artísticas em bronze oriundas da fundição parisiense de Barbedienne. Desse artista, a única obra conhecida , em ferro fundido, é o Rio: Pode ser encontrado no Rio de Janeiro.

 

Pierre Loison (1816/1886) foi, em Paris, aluno de David d'Angers antes de ingressar na Escola de Belas Artes. Sua Moça com a Concha é um clássico dos catálogos para ferro fundido.

 

Gabriel Dubray (1813/1892) foi, da mesma forma que Mathurin Moreau, aluno de Ramay. Ele criará várias obras em ferro fundido, encontradas no catálogo de Ducel e, mais tarde, nos catálogos de Val d'Osne. Dentre elas, um Netuno, belo como um deus ou como aquelas estátuas legadas pela antiguidade e que se tornaram imortais.

O Netuno de Dubray foi encontrado em Trevano, Suíça, nos jardins de uma academia de música em Apollo, Califórnia e, finalmente, no México há menos de três meses atrás.

 

Louis Sauvageau (nascido em 1822): Em ferro fundido, somente conhecemos desse artista a Fonte, uma estátua feminina que pode ser admirada no Rio, isoladamente ou no centro de um chafariz monumental.

A Fonte também foi reencontrada em Apollo, Califórnia, e no México.

 

Frédéric Iselin (1826/1905), aluno de Rude, grande escultor reconhecido na posteridade. Iselin teve uma carreira pública brilhante pois, durante o Império, foi encarregado de esculpir o busto de Napoleão III. De Iselin, no Rio, em ferro fundido, existe a Fonte da criança - uma obra típica de sua época.

 

Auguste Martin (1828/1910), aluno de Jouffroy e de Rude, irá buscar inspiração principalmente na antiguidade. Sua obra está presente no Rio com uma fonte bem "netuniana": crianças sereias carregadas por figuras semi-humanas e pisciformes.

 

Alfred Jacquemart (1824/1896) ingressará na Escola de Belas Artes aos 21 anos, aconselhado por seu professor de escultura, Klagmann. Inicia carreira no Salão mostrando, não uma mulher ou uma composição mitológica, mas um animal: uma garça. Com efeito, a onda "animalista" tomará posse da escultura no século XIX e marcará profundamente a obra de Jacquemart.

Os dois leões do Hotel Novo Mundo, na praia do Flamengo, testemunham essa tendência para a arte animalista. São atribuídas a ele, na França, outras obras de animais: o leão do Val d'Osne, que guarnece a usina desde o século passado, o rinoceronte do museu de Orsay, fundido por Voruz em Nantes, ou ainda cães, até hoje fundidos nas fundições GHM (Sommevoire) a partir de modelos do século passado.

 

Pierre Rouillard (1820/1880) foi um dos mais famosos escultores animalistas. Seu cavalo, obra única fundida pela fundição Durenne, ornamenta a entrada do museu de Orsay. Ex-aluno de Cortot, ele participará da decoração do Louvre, do museu de História Natural e da Ópera de Paris. Em Constantinopla, trabalhará no palácio do sultão e ainda hoje podem ser vistos nos jardins do Dolmabahce leões e vasos monumentais. O proprietário de um vaso idêntico recebeu recentemente uma proposta de venda no valor de 700 mil Francos.

O Jockey Club do Rio possui "Dollar", um famoso cavalo de corridas: peça rara e de alta qualidade encontrada também no campo de corridas de Maisons-Laffite em Paris.

Na Haute-Marne, seu Cervo da América orna Sommevoire e Saint-Dizier; "Royal", o garanhão, pode ser encontrado em Curel, perto de Val d'Osne.

 

Jules Salmson (1823/1902), também aluno da oficina Ramey-Dumont e amigo de Lequesne, após trilhar o percurso clássico - Escola de Belas Artes e Salão - seguirá uma bela carreira e trabalhará na Val d'Osne em cinco diferentes modelos, dentre os quais o Índio e a Índia, reencontrados no Rio.

 

Georges Clère (1819/1901), aluno de Rude,  foi provavelmente dono de sua própria fundição. Em Val d'Osne, trabalhou numa tocheira antiga de classicismo pouco inovador.

 

Provin Serres, aluno de Moreau, fornecerá três modelos a Val d'Osne, inclusive a belíssima sereia do Campo de Santana que ilustra os cartões postais do Rio desde o século passado.

 

Charles Auguste Lebourg (1829/1906), depois de estudar escultura em Nantes, sua terra natal, ingressará em 1851 no ateliê de Rude. Sua carreira, repleta de prêmios e encomendas públicas, dará uma reviravolta decisiva ao encontrar Sir Richard Wallace, um rico herdeiro inglês cujo busto esculpirá bem como o de Lady Wallace. Wallace, apaixonado por Paris, ficou surpreso com a pouca quantidade de pontos d'água de que dispunham os habitantes da cidade, atacada pelos prussianos em 1870. Tomou assim a decisão de oferecer à cidade de Paris "drinkings fountains", semelhantes às de Londres, e para tanto recorreu a Charles Lebourg que projetou dois modelos: um chafariz mural e o famoso "Wallace", com cariátides, que daria a volta ao mundo, inúmeras vezes copiado mas nunca igualado. Foi Barbezat, em Val d'Osne, o moldador e ajustador dos 40 chafarizes encomendados pelo mecenas. Na realidade, haverá mais de cem.

Em certos bairros parisienses que não foram demasiadamente alterados pelo urbanismo, ainda sobraram chafarizes doados por Richard Wallace.  Estes se integraram de modo tal à paisagem que o município passa a encomendar regularmente novas peças... Na Haute-Marne, visto que a fundição de arte GHM perpetua tal fabricação.

Os chafarizes Wallace foram exportados para diversos países. Foram reencontrados nos Estados Unidos,  e na Suíça, no Jardim Botânico e Floresta da Tijuca - Rio de Janeiro.

Outras assinaturas podem ser encontradas no Rio, de autoria de artistas, não do século XIX, mas do século XVIII: Atalante e Hipomena, de Lepautre et Coustou, ou Mercúrio, de Jean de Bologne, a principal peça da obra desse escultor do século XVI.

Hígia, Hipócrates e a Diana de Gabiés são cópias de estátuas existentes também em museus (o Louvre, por exemplo).

Também existem modelos anônimos "pertencentes à Société Anonyme des Hauts-Fourneaux et Fonderies du Val d'Osne" dos quais "cópias, imitações, falsificações e submoldagens serão reprimidas conforme a lei..."

Foram evocadas aqui somente as peças artísticas em ferro fundido existentes no Rio de Janeiro. Podem ser encontradas, no entanto, em outras cidades brasileiras: Belém, Recife, Petrópolis, Manaus, Salvador e Florianópolis. Reencontramos muitas vêzes os mesmos escultores. Permito-me, contudo, evocar Dielbot do qual as duas mais importantes estátuas foram localizadas em Manaus: o Zuavo e o Fuzileiro. As peças ornavam outrora a ponte de Alma, em Paris. Retiradas dali, não mais se teve notícias delas.

 

Georges Dielbot (1816/1861), natural de Dijon e aluno de Ramey e Dumont, como Mathurin Moreau, ganhará o Prêmio de Roma em 1841. Trabalhará também para o Louvre e fornecerá diferentes modelos para ferro fundido, inclusive o Zuavo e o Fuzileiro.

 

II  -  1  -  PREFÁCIO

Desde a obra original do escultor até a estátua concluída, muitas horas se passarão e variadas competências serão envolvidas. O esquema a seguir permite colocar em cena  uma dezena de profissões diferentes e complementares: o escultor, o modelador, o moldador, o nucleador, o fundidor, o rebarbador, o cinzelador, o ajustador e o aplicador de pátina.

Graças aos relatórios das exposições universais, os progressos técnicos puderam ser acompanhados. 1855: "As obras ornamentais fundidas, que outrora eram pesadas e sem graça, distinguem-se hoje pela elevada pureza de formas aliada a uma admirável delicadeza de execução"; 1867: "Eles (os fundidores) conseguem fazer tudo o que desejam. Moldagens artísticas de objetos delicados ou de monumentos, eles tudo abordam com o mesmo êxito". Em 1873, Antoine Durenne, então membro do júri, comentará a história industrial e técnica da fundição artística numa nota bastante interessante na qual evoca a habilidade dos operários, alguns deles "verdadeiros artistas".

A fabricação de uma estátua requer, com efeito, muitas horas de trabalho e múltiplas competências.

II  -  2  -  O MODELO

II-2-a - definição
    O modelo é uma reprodução da obra original do artista. Geralmente, este original, em terra, é moldado em gesso. A partir dessa impressão, o modelador cria o modelo, também de gesso, destinado ao fundidor. Esse modelo será utilizado somente uma vez, caso o escultor deseje uma obra única, ou dezenas de vezes como ocorreu no caso dos modelos de fundição artística.

Esse mesmo modelo poderá ser reproduzido em tamanho original ou em diferentes tamanhos graças a um processo de reprodução inventado por Achille Collas: o pantógrafo. Dessa forma, as numerosas obras-primas, até então dentro dos museus, puderam ser "recopiadas".

Em consequência da retração da peça fundida no momento de seu arrefecimento, o modelo deverá ter dimensões superiores de 1,5% em relação à obra desejada.

 

II-2-b - Gesso
    O gesso é empregado de preferência para modelos esculpidos que apresentam certos relevos. Podendo ser cortado de forma melhor que a madeira, o material oferece  ângulos mais vivos que são guarnecidos com  a dureza necessária para resistir à moldagem, pela aplicação de uma camada de óleo sicativo.

 

II-2-c - Contra-modelo em metal
    Com o objetivo de preservar os gessos utilizados geralmente, um contra-modelo é às vezes produzido em metal (ferro, bronze, estanho). Esse novo modelo é, na maioria das vezes, fundido elemento por elemento (correspondente aos blocos comprimidos: ver moldagem).

 

II-2-d - Elastômero

O elastômero é um polímero que possui propriedades elásticas. É utilizado para copiar um modelo e permitir sua reprodução em ferro fundido por meio de técnicas simplificadas. Trata-se de uma tomada de impressão, em positivo, pela aplicação de elastômero a quente. Falaremos mais a respeito do elastômero ao abordarmos as técnicas de restauro.

 

II-2-e - Materiais atuais
    Outros materiais são utilizados para a confecção de modelos, mais especialmente as resinas sintéticas, das quais a utilidade será constatada quando da restauração das obras fundidas. 

II - 3  -  MOLDAGEM

II-3-a - definição
    A moldagem consiste na coleta da impressão da peça que se deseja reproduzir. A moldagem das peças artísticas em ferro fundido é feita com areia, argila ou terra.

Existem outros processos de moldagem que mencionaremos apenas como lembrete pois não tocam diretamente o assunto que nos diz respeito: a moldagem em carapaça, coquilha e cerâmica, cujas aplicações são específicas.

Tampouco evocaremos as moldagens a modelo perdido (cera ou poliestireno perdidos), e a vácuo. Embora possam ter relação com a fundição artística, elas se aplicam geralmente ao bronze para a produção de exemplares únicos.

Será necessário frisar que a qualidade da peça fundida moldada, tanto no que tange sua superfície e seus contornos quanto sua lisura, depende da qualidade da moldagem e da areia utilizada?

A moldagem das fundições artísticas é feita mais tradicionalmente:

 

II-3-b - em areia verde
    Executada à mão ou à máquina, a moldagem em areia verde consiste na utilização de um molde constituído de areia argilosa úmida comprimida. A expressão "verde" alude à presença de umidade na areia e indica que o molde não está seco nem estufado. Apesar de ser amplamente utilizado, o método não é adequado para as peças de grandes dimensões ou peso elevado.

 

II-3-c - em areia dura
    Esse processo é usado para peças de grande porte e consiste na utilização de areia dura. Tão logo o molde estiver confeccionado e o modelo retirado, pulveriza-se um produto refratário sobre a impressão do molde fazendo-o endurecer. No processo clássico de moldagem em areia estufada, a areia é endurecida por aquecimento do molde. No processo a frio, a areia seca, sem argila, é misturada a uma resina aglomerante acrescida de um catalisador que a faz endurecer em poucos minutos.

O moldador, trabalhando com areia verde ou areia dura, trabalha da seguinte forma: enche dois chassis com molde de areia bem compactada. Em seguida, colhe a impressão da peça a ser produzida introduzindo o modelo a meia espessura (no plano de junção), lado dianteiro e lado traseiro, na areia de cada chassis. Após ter colocado o núcleo e traçado o canal de escoamento e os dutos de escape dos gazes, preparado as masselotas (reservas de metal líquido que alimentarão a peça durante seu esfriamento), os chassis são perfeitamente encaixados. O molde pode então receber o metal em fusão que desposará exatamente os contornos da impressão deixada na areia.

 

II-3-d - Moldagem em blocos comprimidos
   A moldagem em blocos comprimidos é utilizada para os objetos que apresentam concavidades em seus contornos e cuja desmoldagem não seria possível mesmo quando modelos e chassis estivessem decompostos. Nesta série, são incluídas principalmente as estátuas e as peças ornamentais em relevo.

Nesse caso, a impressão dos elementos salientes ou côncavos, que podem ser braços, roupas, atributos ou certos detalhes do rosto, denominados contra-despojos, é colhida separadamente do conjunto, compactando-se areia, em blocos, nas partes complexas. Mais tarde, iremos propor-lhes uma visão da moldagem em blocos comprimidos de uma estátua, que permitirá compreender melhor a técnica.

 

II-3-e - Moldagem de grandes estátuas
    Quando se trata de moldar e fundir estátuas de grandes dimensões, a manipulação do modelo é impossível. Este é dividido em partes distintas e a moldagem de cada parte é feita  quer de modo tradicional, quer em blocos comprimidos. A última estátua da Liberdade de Bartholdi, fundida em Sommevoire, em 1958, foi moldada desse modo. Sua altura (12 metros) e a quantidade de metal necessária (12 toneladas) exigiram técnicas especiais a respeito das quais falaremos mais tarde.

 

II-3-f - Moldagem a molde giratório

A moldagem em terra, moldagem a molde giratório, foi utilizada para grandes vasos e tanques: em torno do núcleo, circunda-se uma espessura de terra, denominada  falsa peça, que representa com exatidão o objeto a ser fundido. Esta é recoberta por várias camadas de terra espessa que compõem a chapa. A falsa peça é então retirada, deixando o vão formado para a passagem do metal. Após aquecer, comprimir e enterrar o molde, é feita a corrida. Em se tratando de peças ornamentadas a serem moldadas em terra a molde giratório, grandes vasos ou tanques, devemos cuidar para restituir à falsa peça ornamentos em cera ou modelos em relevo, cuja impressão ficou retida pela chapa e que são derretidos ou retirados por ocasião da desumidificação.

 

II-3-g -  submoldagem

Quando o fundidor necessita refundir uma peça da qual ele nunca possuiu ou não possui mais o modelo, ele colhe a impressão diretamente na peça fundida. Esse processo não proporciona satisfação total visto que os motivos perdem nitidez e a peça obtida dessa forma é 1,5% menor que seu modelo em consequência da retração do metal.

 

II-3-h - moldagem a elastômetro

A flexibilidade do elastômetro permite moldar contra-despojos sem problema. Após a coleta da impressão, a areia é despojada do modelo, que é retirado como uma luva deixando intactos todos os relevos.

II - 4  -  O NÚCLEO

II-4-a - definição

Os núcleos são elementos de areia que foram endurecidos permitindo sua manipulação. São introduzidos no molde para constituírem as superfícies interiores da peça moldada ou para dar forma a uma superfície externa onde não é possível fazê-lo com a ajuda do modelo. A complexidade do núcleo depende da configuração interna da peça.

 

II-4-b  -  Os diversos materiais possíveis

O núcleo é geralmente constituído de areia siliciosa misturada com um ligante (óleo ou resina termo-endurecedora). Ele será compactado à mão dentro de uma caixa de núcleo ou à máquina. Nesse caso, utiliza-se ar comprimido ou um gás frio que permitem, tanto um quanto outro, o endurecimento instantâneo do núcleo.

 

II-4-c - Os processos tradicionais

Todas as peças artísticas em ferro fundido são ocas por razões de peso e principalmente para a uniformização do arrefecimento do metal. Para confeccionar o núcleo das estátuas, era necessário preencher a impressão exterior com areia compactada, endurecida por ocasião do estufamento. O núcleo era então retirado e lixado de modo a subtrair uma espessura uniforme e deixando um espaço vazio entre a impressão do molde e o núcleo. Após recolocar o núcleo, suspenso por traves no centro da impressão, era feita a corrida e o metal preenchia assim o vão livre já preparado.

 

II - 5  -  ELABORAÇÃO E CORRIDA DO METAL

II-5-a - Histórico

O ferro não existindo em estado natural sobre a Terra mas sob a forma de óxido, ele será elaborado através de redução do minério de ferro num alto-forno. Camadas alternadas de minério de ferro, triturado e lavado, elementos fundidores destinados a aglomerar as impurezas, e combustível (carvão vegetal) são enfornadas permanentemente no alto-forno. O carvão vegetal desempenha um papel complexo:

- ele funde: sob o efeito do calor, o minério grelha, torna-se pastoso e se liquefaz, descendo para a parte inferior do alto-forno: o cadinho.

- ele reduz: o carbono, ávido por oxigênio, "suga" o oxigênio contido no minério de ferro que se transforma em ferro,

- ele alia-se: partículas de carbono misturam-se ao ferro, modificando assim a estrutura e os componentes mecânicos do metal, que se torna então ferro fundido, ou seja, ferro contendo partículas de carbono sob a forma de lamelas.

As primeiras peças artísticas foram produzidas em ferro gusa de primeira fusão, elaborado nos altos-fornos. Mais tarde, foram fundidas com material de segunda fusão, refundido nos cubilôs.

O cubilô é um aparelho de fusão dotado de uma cuba dentro da qual alterna-se pedaços de ferro gusa da primeira ou da segunda fusão com elementos fundidores e coque.

Inventado no século XVIII pelo cientista metalúrgico francês Réaumur, o cubilô continua sendo o principal meio de fusão destinado a gerar ferro fundido cinzento - material utilizado desde o século XIX para a confecção de peças artísticas em ferro fundido. Com um funcionamento seguro, simples e econômico, apesar do advento de novas tecnologias, o cubilô ainda deverá prestar muitos e bons serviços.

Outros aparelhos de fusão, tais como os fornos a gás ou elétricos, permitem elaborar peças mais complexas, utilizadas para o mobiliário urbano. Abordaremos aqui apenas o cubilô e o ferro fundido cinzento a grafite lamelada.

 

II-5-b - Modo de funcionamento do cubilô e corrida

O metal em fusão desce para a parte inferior do cubilô, onde se acumula. No momento do escoamento, realiza-se a limpeza, isto é, a evacuação das impurezas que flutuam na superfície do metal. A evacuação é feita através de um orifício localizado lateralmente. As impurezas são recolhidas num recipiente e, em seguida, evacuadas.

A corrida a partir do cubilô ocorre após a remoção da tampa refratária que veda o orifício de escoamento. O metal corre então através da canaleta de corrida para um bolso em ferro fundido aquecido, dotado de revestimento refratário. O bolso é transportado para o canteiro de moldagem, onde o molde, que não deve de modo algum ser transportado, está aguardando.

A corrida consiste no enchimento do molde com metal a 1.500º C. Este vai se introduzir no espaço já preparado e desposar fielmente a impressão externa e interna formada pelo moldador.

As peças artísticas fundidas são geralmente vertidas num único jato. Caso sejam volumosas, duas ou três alimentações simultâneas podem ser realizadas através de dois ou três orifícios diferentes.

Caso se trate de estátuas volumosas, cada molde é corrido em separado. As diferentes partes serão reunidas e montadas na oficina de ajustagem.

- a corrida por bolso é a mais utilizada. Os bolsos podem conter entre 30 kg e várias toneladas e são trazidos para baixo da canaleta de corrida do cubilô. Destampado o orifício, o metal derretido escorre para dentro do bolso que será transportado até o molde e inclinado de modo a verter o metal no molde. A velocidade da corrida, bem como a localização dos jatos, canais e respiradouros, desempenham um papel essencial para o êxito da operação. O ataque da corrida é geralmente colocado no plano de junção de modo a proporcionar alimentação uniforme na peça. No caso das estátuas, esse ataque é colocado nas dobras e nos detalhes dos corpos de modo a ficar invisível após o acabamento.

- existem outras técnicas de corrida:

- A corrida em queda livre consiste na alimentação dos moldes em ferro fundido a partir diretamente do alto-forno ou do cubilô, por meio de canaletas de corrida que descem para os canais e jatos de corrida do molde. Os canais se localizam na base do forno e são construídos em declives suficientemente angulados para alimentar o molde sem rapidez nem lentidão excessivas. Para facilitar a penetração do metal, os moldes são inclinados.

- a corrida em chafariz: a peça é alimentada pelo fundo e o metal aflora até as masselotas localizadas acima da peça.

- a corrida por centrifugação: o metal, introduzido num molde em rápida rotação, adere às paredes deste. A moldagem de tubos é feita dessa forma.

- a corrida contínua, utilizada para fabricar mono-produtos derramados por gravitação numa matriz em grafite.

- a corrida sob pressão, processo experimental permitindo a confecção de pequenas peças com altíssimo nível de detalhamento. 

 

II-5-c - O ferro fundido na GHM Sommevoire para as peças ornamentais

Na fundição artística GHM, em Sommevoire, a fundição das peças ornamentais é elaborada do seguinte modo:

Tipo de ferro fundido: ferro fundido cinza, chamado FGL, ferro fundido a grafite lamelada a 3,25 - 3,5% de carbono, 2 - 2,5% de silício, 0,7% de manganês.

O meio de fusão é um forno cubilô a vento frio com vazão de 3,8 ton/hora.

Elaboração do ferro fundido: carregamento do cubilô 7 vezes por hora. Cada carga pesa 450 kg e é composta de:
. ferro novo em lingote (ferro brasileiro): 15 - 20%
. aços: 10 - 15%
. VF 1 (ferro velho, recuperação de ferro de motores),
. VF 2 (recuperação de ferro de radiadores).
. retornos de corrida: 60 a 70%
. acréscimos de silício e magnésio
. coque: combustível: 13 - 15%
. castina (dá fluidez e aglomera as impurezas ou escórias): 6%

A temperatura na saída do cubilô é de 1.450º C - 1.500º. Na corrida nos moldes, ela se reduziu a 1.350º - 1.430º O ponto de fusão situa-se em 1.150º
 

II-6  -  ACABAMENTOS

Após a corrida, a peça permanece no molde por um período suficiente para assegurar seu esfriamento. Este deve acontecer de modo progressivo. Em seguida, ocorrerão operações importantes e delicadas:

 

II-6-a - Separação e desenchimento

Separação consiste em extrair a peça de seu molde. Este é colocado sobre um aparelho que, por vibração, destrói o molde e evacua a areia. O núcleo, ainda retido no interior da peça, também é evacuado por fratura da areia em pedaços.

 

II-6-b - areamento

A peça será limpa da areia que ainda adere na sua superfície por meio de projeção de areia, bilhas de aço ou escórias, que lhe proporcionará um aspecto liso e limpo. Antigamente, essa operação era realizada com o uso de escova metálica.

 

II-6-c - rebarbagem

A peça limpa será entregue ao rebarbador que irá suprimir rebarbas, imperfeições e excrescências de metal resultantes da corrida, bem como os jatos, respiradouros, canais de escoamento e masselotas. Efetuada antigamente com o uso da lima e do alicate, tal operação é hoje realizada por meio de fratura e esmerilamento.

 

II-6-d - os reparos

Tão logo a peça é posta "a descoberto",  as aberturas (poços de evacuação do núcleo e saída das traves que suspendem o núcleo dentro do molde, por exemplo) são soldadas e vedadas e as asperezas e os pequenos defeitos aparentes são regularizados.

 

II-6-e - a cinzelagem

Essa operação, efetuada pelo escultor ou pelos operários mais habilidosos, consiste em devolver vida e frescor à peça. Cinzéis e encalcadeiras são utilizados para suprimir todos os vestígios da corrida, apagar as junções, reavivar um olhar ou aprofundar a dobra de um vestido. Em 1847, Guettier escrevia: "O ferro fundido quando doce é perfeitamente reparável por meio de lima e encalcadeira e, caso a primeira moldagem tenha sido realizada com cuidado, ele apresenta uma superfície mais unida do que qualquer outro metal".

 

II-6-f - a montagem

Se a moldagem e a corrida foram efetuadas em diferentes partes, a estátua é montada por meio de encaixe a frio. Este será consolidado por grampos fixados por rebites ou pinos aparafusados no interior da estátua. Em seguida, o cinzelador intervirá para "reacasalar o metal" e apagar qualquer vestígio da junção.

 

II-6-g - o polimento

Antes de receber seu revestimento, o metal é polido de forma a proporcionar uma pele azul-prateada, muito lisa.

 

II-6-h - pintura, galvanoplastia

Em seguida, para protege-las da oxidação e, portanto, da ferrugem, as obras em ferro fundido são imediatamente recobertas de pintura, zinco ou bronze. Essa galvanoplastia pode ser efetuada tanto a frio, por depósito eletrolítico, como a quente, por imersão em banho.

O abade Maréchal escrevia: "elas são por fim levadas ao pincel dos pintores que deve dar-lhes o tom da pedra, do mármore ou do bronze antigo, e até mesmo do ouro e da prata!" Outro método consistia em recobrir a peça a quente com óleo de linhaça.

Para ilustrar melhor essa exposição, bastante técnica, proponho que vocês acompanhem, através de slides, a fabricação de uma cariátide pertencente a um chafariz Wallace.


 

III  -  ANÁLISE DO MATERIAL, COMPOSIÇÃO, CARACTERÍSTICAS

 

Por ocasião de uma visita aos altos-fornos de Usilor-Sacilor - um grande grupo siderúrgico francês - fiquei perplexa com um comentário do diretor do laboratório de pesquisas, que me revelou que, depois de passar vinte anos observando o ferro sob todas as suas formas, o material ainda lhe era misterioso. Uma confidência surpreendente por parte de um especialista! Saberão todos que o ferro é o único metal magnético e o único cuja estrutura molecular varia no decorrer da elaboração?

III-1  -  O MINÉRIO DE FERRO

O ferro nativo, de origem plutoniana ou meteórica, e os minerais carbonatados são relativamente raros na Franca. Em compensação, os minérios oxidados, hematita vermelha, magnetita negra, limonita parda e minérios oolíticos são abundantes naquele país.

Na Haute-Marne, trata-se de minério de ferro hidratado, granuloso ou minério em grãos, denominado minério neocomiano ou minério portland. Caso o tratado de fundição redigido em 1847 por Guettier tenha credibilidade, esse tipo de minério tem a reputação de fornecer as mais belas peças moldadas em ferro fundido e de ser menos vulnerável ao ataque do contato com o ar.

Com teor médio de ferro de 50%, este minério também contém, em proporções reduzidas, outros elementos que irão influir nas características do metal.

III-2  -  DEFINIÇÃO DO FERRO FUNDIDO

"Carboneto de ferro que é produto imediato do tratamento dos minérios de ferro, ou dos ferros, pelo carbono". É elaborado em alto-forno por meio do tratamento de uma mistura adequada de minério, combustível e elementos fundidores. O alto-forno exerce um papel de reator químico complexo. A redução de óxido de ferro acontece graças ao óxido de carbono CO produzido pelas reações à alta temperatura.

Eis a fórmula simplificada da redução:

Fe2 O3 + CO = 2 FeO + CO2

III-3  -  DIFERENTES CATEGORIAS DE FERRO FUNDIDO

No século XIX, distinguia-se quatro variedades de ferro fundido, cujas qualidades diferiam conforme a combinação mais ou menos ativa do carbono: o ferro fundido negro e o cinzento, mais carburado, destinados à moldagem; o ferro fundido intermediário e o branco, destinados à afinagem.

Atualmente, seis categorias de ferro fundido são utilizadas:
- o ferro fundido cinzento a grafite lamelada, o mais utilizado,
- o ferro fundido a grafite esferoidal, também chamado ferro fundido GS, cujas qualidades mecânicas situam-se próximas às do aço,
- o ferro fundido a grafite vermicular, recentemente concebido, combinando as vantagens mecânicas do ferro GS e o grau de moldagem do cinzento,
- o ferro fundido branco, sem grafite, utilizado por suas qualidades de resistência à fricção e ao abrasamento,
- o ferro fundido maleável, isto é, o branco cozido novamente de modo a adquirir uma resistência mecânica ainda mais elevada,
- o ferro fundido aliado, com qualidades próximas às do aço, reservado para utilidades específicas.

III-4  -  O FERRO FUNDIDO A GRAFITE LAMELADA

O ferro fundido cinzento é uma combinação de ferro com proporções de carbono que podem variar de 2,5 a 4,5%. O carbono alia-se ao ferro sob a forma de palhetas grafitosas lameladas e tem a propriedade de aumentar a tenacidade deste.

Tal combinação se complica conforme o modelo de tratamento aplicado e conforme a natureza dos minérios.

Com efeito, o ferro fundido recebe destes minérios ínfimas quantidades de diferentes elementos, como o fósforo, que torna o ferro fundido quebradiço sob frio, fornecendo-lhe contudo fusibilidade e fluidez indispensáveis para a moldagem de ornamentos delicados; o silício, que fornece fluidez ao ferro fundido de moldagem; o alumínio que impede a formação de bolhas e aumenta a tenacidade das moldagens; o manganês que, em proporções reduzidas, possui propriedades de afinagem e desulfuração; o enxofre, que o torna quebradiço sob calor e cuja presença danosa aumenta a retração e faz recompactar o ferro fundido, o potássio e o arsênio.

Num manual do fundidor de 1847, o ferro fundido cinzento era assim definido: "um pouco elástico, um pouco flexível, um pouco dúctil, um pouco maleável... fluido e doce, tem grande expansão e não tão grande retração ao solidificar-se. O produto pode, portanto, reproduzir melhor do que o cobre os objetos mais delicados. São a estas propriedades que devemos os ornamentos tão nítidos e bem cuidados que enfeitam as residências, praças e jardins públicos... As estátuas moldadas para os chafarizes de Paris pelos senhores Calla, André e Muel demonstram que a fundição de ferro pode desde já partilhar com a fundição de cobre a reprodução das obras de nossos artistas". 

III-5  -  QUALIDADES E DEFEITOS DO FERRO FUNDIDO CINZA GL DO SÉCULO XIX  

III-5-a - Qualidades:
. Elevado grau de fluidez sob alta temperatura que lhe permite desposar os menores detalhes do molde e reproduzir objetos perfeitos. "As impressões recebidas pelo ferro fundido cinza são tão perfeitas que podem garantir ao escultor a sua obra perfeita e a salvo do buril do cinzelador".
. Elaborado com carvão vegetal, o ferro fundido cinza é doce e puro, com admiráveis qualidades de lisura e resistência. Caso o molde tenha sido confeccionado com cuidado, o material apresentará uma superfície mais unida do que qualquer outro metal.
. Quando doce, é perfeitamente reparável por meio de lima ou encalcadeira.
. Extremamente resistente à compressão (sessenta vezes mais do que a pedra), ele se presta facilmente à moldagem, permitindo a obtenção de peças em monobloco que apresentam certa complexidade.
. Sua densidade (7,8) autoriza uma grande resistência para um volume mínimo. Em arquitetura, uma coluna contendo concreto deverá ter um diâmetro cinco vezes maior do que o de uma coluna em ferro fundido, para a mesma utilização.
. Resistência à usura.
. Nem gélivo, nem permeável à água, ele resiste bem às intempéries e à corrosão, sobretudo quando pintado: candelabros da praça Concorde moldados em 1840 foram trocados somente em 1992 por ocasião de uma reurbanização dos Champs Elysées.
. Baixo custo.

 

III-5-b - Defeitos:
. Fragilidade: as lamelas de carbono integrantes de sua estrutura metalográfica também são pontos ruptíveis.
. Quebradiço: sua baixa resistência à tração, à flexão e às vibrações deixa-o inapto a determinadas produções, como pontes, trilhos de estrada de ferro e vigamentos.
. Salvo no caso de ferro fundido muito doce, ele não pode ser forjado nem tampouco martelado a quente ou a frio.
. É extremamente difícil de soldar.
. É pesado.
. A oxidação provoca-lhe uma cor parda-avermelhada pouco compatível com os critérios artísticos.

III-6  -  ANÁLISE POR ESPECTOGRAFIA E MICROGRAFIA DE UM ELEMENTO  DE ESTÁTUA FUNDIDA NO SÉCULO XIX EM SOMMEVOIRE

III-6-a - Espectografia:

A espectografia possibilita o reconhecimento instantâneo dos diferentes componentes de um metal através da análise de seu espectro. A emissão ou absorção de luz pelos corpos  é causada por modificações energéticas no interior dos átomos ou das moléculas. O comprimento da onda de luz emitida ou absorvida será sempre uma característica do átomo ou da molécula, permitindo a identificação do corpo por meio da identificação de seu espectro. Em espectografia de emissão, utiliza-se:
. a espectografia em chama (jato de líquido pulverizado numa chama e análise da intensidade das raias por meio de célula fotoelétrica)
. a espectografia de arco ou de centelha, na qual dispara-se um arco elétrico entre o metal a ser estudado e um eletrodo.

O segundo método foi utilizado para analisar uma peça de estátua (dedo) fundida no século passado pela fundição de Sommevoire. A leitura do espectro, após o centelhamento, revelou os seguintes resultados:

- Carbono: 3,44%  combustão em forno alto-forno, detecção infravermelha

- Silício: 1,34%  gravimetria

- Manganês: 0,458%

- Fósforo:  1,57%

- Enxofre:  0,381%

- Ferro:  92,81%

O teor de todos os demais elementos são inferiores a 0,1%

As altas taxas de enxofre e fósforo permitem concluir que este material foi moldado diretamente a partir de um alto-forno tendo como base um minério local.

A análise confirma as informações já colhidas nos arquivos e relatórios de exposições universais.

A composição do ferro fundido GL é hoje, de modo geral, a seguinte: de 2,5 a 3% de carbono, 2% de silício, 0,8% de manganês, os demais elementos tendo sido eliminados na primeira fusão ou  incorporados à escoria.

 

III-6-b: micrografia

A micrografia é a representação da estrutura de um metal observado através do microscópio. A do material analisado faz ressaltar uma fonte infiltrada de grossas lamelas de grafite, indicando forte tenacidade à ação do tempo mas também vulnerabilidade a choques e tensões. Com efeito, cada lamela representa um ponto de ruptura potencial.

 

 

Embora as qualidades de resistência do ferro fundido representam o trunfo principal
da sua longevidade, ser quebradiço é o defeito que mais devemos temer. Da mesma forma, no caso de estátuas e chafarizes montados, é possível constatar sua fragilização com o passar do tempo.

IV -1 -  ENVELHECIMENTO

O ferro fundido não envelhece. Sua estrutura interna é inerte, Na ausência de ataques externos, como a corrosão, a não-datação do material chega a ser possível. O ferro fundido protegido seria, portanto, eterno... Simplificando o fenômeno ao extremo, é exatamente o que ocorre com o bronze e o cobre.

Nas fundições de Sommevoire, tivemos a oportunidade de examinar  alguns lampadários instalados em 1840 na praça Concorde, em Paris, substituídos em 1990. Sem falar da alta qualidade dos motivos, ficamos surpresos com o grão do ferro fundido e com o excelente estado de conservação desses lampadários, apesar de ficarem mergulhados, durante um século e meio, numa atmosfera extremamente corrosiva. Por que, então, foram eles trocados? Simplesmente porque sua estrutura não previa a abertura, hoje indispensável, para a instalação das caixas elétricas.

IV - 2 - CORROSÃO DO FERRO FUNDIDO CINZENTO

Embora o ferro fundido resista bem à corrosão e, de qualquer forma, melhor que o aço ou o ferro, ele não é invulnerável.

Existem dois trabalhos referenciais tratando da corrosão do ferro fundido: os livros "Corrosion Guide", de Rabad, e "Corrosion Data Survey", da N.A.C.E.

Levando-se em conta a especificação da peça artística em ferro fundido, estudaremos mais detalhadamente a corrosão do ferro fundido cinzento a grafite lamelada.

 

IV-2-a - definição

Trata-se da deterioração dos metais, sob temperatura normal e sob o efeito de agentes atmosféricos, produtos químicos, fenômenos eletroquímicos ou bacteriológicos.

Devemos frisar que o ferro fundido, fraca ou fortemente aliado, apresenta alta resistência à corrosão. A composição química e a repartição dos constituintes da microestrutura do material são fatores que influenciam sua capacidade de luta contra a corrosão.

Geralmente, as condições de ataque sendo homogêneas, a corrosão é uniforme. Esse fenômeno se deve à existência de fases finamente divididas. Dentro de um meio heterogêneo, a corrosão pode assumir o aspecto de ataques localizados.

Em caso de ferro fundido protegido, a corrosão depende, especialmente, da natureza do metal suporte, das características e natureza da interface metal-revestimento, da natureza do revestimento e do modo de aplicação.

Em quaisquer casos, qualquer que seja a agressividade da corrosão, o ferro fundido permanece um material privilegiado na maioria dos casos, em função da sua espessura.

Os fenômenos de corrosão podem ser químicos, eletroquímicos e bioquímicos.

 

IV-2-b - Corrosão química

É gerada pela interação entre metal, ar, águas, sais e outros fatores que iremos desenvolver. Tais componentes entram em reação química e diferentes produtos de alteração são constituídos. Resulta daí uma modificação da estrutura química do objeto.

 

- Processo de corrosão química

Dois fenômenos intervêm na corrosão química do ferro fundido:

 

. a formação de uma camada de óxidos

Quando uma superfície em ferro fundido fica exposta à umidade e ao ar, na presença de gás carbônico, óxidos de ferro são rapidamente formados:
- a limonita: óxido hidratado de cor laranja escuro que surge muito rapidamente,
- a ferrugem (2 FE 2 O3), de cor parda escura que, após exposição prolongada, forma uma superfície porosa na qual ficam retidos agentes corrosivos que podem penetrar as camadas e se fixar sobre o núcleo metálico.

A presença de silício no ferro fundido provocará a formação de uma camada de óxido de ferro-silicato de ferro, densa e aderente, que retarda o processo de oxidação. Praticamente, quando as condições são apropriadas, a camada pode impedir o prosseguimento do ataque. Em inúmeras aplicações, essa única proteção permite aos ferros fundidos cumprirem sua função por cerca de dez anos.

 

. A grafitização: Na corrosão normal, o ferro se transforma em óxido hidratado ao passo que a grafite, um material inerte, não é atacada e mantém a ferrugem no lugar, formando assim uma proteção eficaz contra a penetração do meio agressivo. As partículas de grafite interrompem a progressão da corrosão atmosférica, principalmente a progressão por pontos. A acumulação de grafite na superfície do metal corroído é às vezes impropriamente denominada de grafitização.

 

- Morfologia da corrosão química

Pode ser generalizada, uniforme, localizada na escala macroscópica (em função da estrutura da peça ou da heterogeneidade do meio), filiforme, localizada por ponto, intergranular, intragranular, galvânica, cavernosa por pilha de concentração seletiva, ou ainda resultante da ação combinada de corrosão e tensões mecânicas.

 

- Diferentes tipos de corrosão química
A corrosão atmosférica é evidentemente aquela que iremos desenvolver. Evocaremos contudo os demais tipos de corrosão química que podem ser encontrados no âmbito da restauração das peças artísticas em ferro fundido.

 

. Corrosão atmosférica

O ar ambiente é composto por aproximadamente 77% de nitrogênio, 21% de oxigênio, 1% de argônio, entre 1 e 2% de água, e 0,03% de gás carbônico. Também são encontrados traços de gazes raros (hélio, criptônio, etc.), poluentes (gazes sulfurosos e óxidos de nitrogênio), ions cloretos e poeiras (naturais ou resultantes da poluição).

Do ponto de vista da corrosão, o dióxido de enxofre, ou anidro sulfuroso, é o mais importante poluente. Origina-se essencialmente da combustão do petróleo e do carvão. Os óxidos de nitrogênio, despejados principalmente pelos motores a combustão, desempenham papel menos importante que o dióxido de enxofre e os cloretos.

Dentre as poeiras, as partículas de fuligem, por exemplo, provenientes de uma combustão incompleta são mais particularmente nocivas em função de seu grau de corrosão.

Por fim, a umidade relativa do ar fornece uma indicação crucial para os fenômenos de corrosão pois determina a condensação. Ora, a água condensada pode formar um eletrólito na presença de sais (oriundos de reações com poluentes, por exemplo).

O ferro fundido exposto à umidade do ar fica rapidamente recoberto por um óxido cor laranja e, em seguida, pardo escuro: a ferrugem, correspondente à fase grafítica do processo e assegurando boa resistência à corrosão.

A corrosão do ferro fundido pela atmosfera depende, portanto, da umidade e do teor em gás sulfuroso. Até mesmo em atmosferas muito poluídas, a corrosão é muitas vezes inferior a 0,13 mm/ano, o que equivale uma perda de massa muito pequena. Torna-se notável quando a umidade ultrapassa 70% (entre 25 e 150 micrômetros por ano, conforme se encontre numa atmosfera rural ou industrial carregada de dióxido de enxofre, ou numa atmosfera marinha carregada de maresia).

Essa boa resistência à corrosão provém do fato que os produtos de corrosão que subsistem na superfície do ferro fundido exposto desempenham um papel protetor. Por outro lado, estudos sobre a corrosão atmosférica demonstraram que a velocidade da corrosão diminuía com o passar do tempo, tendendo para um valor constante após dez anos de exposição.

Antes de concluir este parágrafo sobre a corrosão atmosférica, devemos levar em conta o impacto corrosivo das chuvas ácidas cujo grau de nocividade sobre os vegetais já foi medido.

 

. corrosão pela fuligem

Pode ser considerada insignificante para o caso das peças artísticas em ferro fundido. Aplicável apenas para objetos tais como placas de chaminés ou caldeiras e aparelhos de aquecimento varridos pelos gazes.

 

. corrosão pela água

Uma tubulação de água em ferro fundido foi instalada no castelo de Versailles em 1664. Aliás, foram as fundições da Haute-Marne que produziram e forneceram boa parte da tubulação. Ela ainda se encontra em operação, tendo sido substituída muito parcialmente. Após a formação de uma camada protetora na tubulação (carbonato), a água permite ao ferro fundido não revestido prestar excelentes serviços. Em compensação, as águas contendo gás carbônico em solução, efluentes ácidos e cloretos tendem a ser corrosivas o bastante para justificar a aplicação de um revestimento interno (betume ou cimento, por exemplo). Assim, a resistência do ferro fundido à corrosão da água é boa, contanto que haja imersão. O arejamento tende a acelerar a corrosão. Ou, mais precisamente, a alternância de imersão e arejamento.

 

. Corrosão pelos solos

A corrosão pelos solos é um fenômeno complexo. A natureza e a porosidade do solo, sua drenagem, os constituintes dissolvidos nas águas de infiltração são diferentes fatores que influenciam a duração da vida do ferro fundido nos solos.

Em 1968, existiam nos Estados Unidos 130 empresas de distribuição de água ou de gás, cujas redes de distribuição, em ferro fundido, operavam há mais de um século. Cerca de 90% dessas tubulações tinham sido instaladas sem nenhum revestimento especial. Uma pesquisa fez ressaltar que menos de 2% dessas tubulações tinham sofrido danos importantes em sua parte  externa. A resistência à corrosão do ferro fundido cinzento nos solos é, portanto, especialmente admirável. Também nesse caso, a espessura do metal constitui um fator essencial.

 

. Corrosão pelos ácidos

O ferro fundido não aliado resiste mal aos ácidos minerais, em concentração diluída ou média. A presença de ar ou de outros agentes oxidantes acelera o ritmo da corrosão. A corrosão pelos ácidos orgânicos presentes nos alcatrões de hulha é geralmente lenta.

 

. Corrosão pelos álcalis

A resistência à corrosão do ferro fundido em soluções alcalinas é, de um modo geral, boa. O metal não é corroído de modo sensível pelas soluções alcalinas diluídas, até mesmo em temperaturas elevadas.

 

. Corrosão pelas soluções de sais

O ferro fundido pode ser utilizado, sem corrosão excessiva, para manutenção de numerosos sais ou soluções salinas. Os sais que se hidrolisam para formar uma solução alcalina, como os cianuretos, silicatos, carbonatos e sulfetos, têm ação corrosiva relativamente lenta. No caso dos sais que se hidrolisam formando uma solução ácida, a corrosão é muito mais importante, particularmente quando os sais são oxidantes ou as soluções arejadas.

 

. Corrosão pelos compostos orgânicos e compostos sulfurados

O ferro fundido é usado com frequência para a manutenção dos álcoois metílico, etílico, butílico e amílico, bem como da glicerina. As soluções de álcool e água, na presença do ar, podem às vezes provocar uma ligeira corrosão.

 

IV-2-c - Corrosão eletroquímica ou galvânica

 

- Definição da galvanoplastia

A galvanoplastia é a operação que consiste em depositar eletroliticamente numa superfície condutora uma camada de metal (ouro, prata, cobre, níquel, cromo, etc). Para tanto, o corpo a ser recoberto é imerso num eletrólito (corpo submetido à eletrólise), constituído por um sal do metal a ser depositado e diferentes agentes. O metal a ser recoberto é disposto em catodo. O anodo pode ser, tanto da mesma natureza que o metal depositado, quanto inerte em relação ao eletrólito.

Um metal pode ser anodo ou catodo na medida em que seu potencial for superior ou inferior ao do outro metal.

A operação pode ser feita a quente por imersão num banho do metal derretido, ou a frio por depósito eletrolítico.

Tem por finalidade proteger o ferro fundido da oxidação por recobrimento ou dar à estátua o aspecto do bronze.

A galvanoplastia é praticada na França desde o início do século XIX. Nos catálogos das peças artísticas em ferro fundido, as estátuas são oferecidas brutas ou bronzeadas. Em seu tratado "De la fonderie", de 1847, Guettier cita os chafarizes da praça Concorde, cujo revestimento de bronze não sobreviveu ao inverno rigoroso de 1840! Sessenta anos mais tarde, para a chegada do czar da Rússia, Alexandre III, à Exposição Universal de 1900, os chafarizes e as colunas rostrais serão recobertos por folhas de cobre que provocarão um fenômeno eletrolítico cujas consequências são, hoje, irremediáveis. Com efeito, quando dois metais de natureza diferente encontram-se na presença de um eletrólito, é formado um elemento de pilha em função das polaridades distintas;  um dos metais se destrói enquanto o outro permanece inalterado.

 

- Fenômenos de corrosão eletrolítica

A corrosão surge pelo contato de metais, cujo potencial elétrico varia, com um reagente, ou por carência de homogeneidade do próprio metal. Dessa forma, são criadas localmente pilhas galvânicas. O metal com valor potencial mais fraco é corroído prioritariamente, protegendo assim o segundo metal. Quando juntamos o cobre ou o bronze - integrantes da categoria dos metais mais nobres, ou mais catódicos - ao ferro fundido - da categoria dos menos nobres ou mais anódicos -, será este último que sofrerá a corrosão.

Podemos também observar fenômenos eletrolíticos entre o ferro fundido e o aço ou o ferro doce. Assim, na face interna ou traseira das grandes estátuas ou dos chafarizes montados, deveremos observar atentamente os pontos de montagem geralmente feitos por rebitagem. Não é raro constatar uma corrosão eletrolítica que pode provocar até mesmo a perfuração.

Em 1847, a soldagem das peças era feita por meio de cobre amarelo misturado a bórax. As duas partes a serem montadas tendo sido previamente limadas e saturadas de sal amoníaco dissolvido. É também possível, portanto, encontrar corrosão eletrolítica nas soldas; essa corrosão na maioria das vezes será descoberta somente após a decapagem.

 

IV-2-d - Corrosão bioquímica

 

Esse tipo de corrosão tem origem na ação de microorganismos favorecidos pelo meio. Três tipos de microorganismos foram estudados: as ferrobactérias, as bactérias sulfatoredutoras e as sulfobactérias.

As ferrobactérias retiram a energia necessária ao seu metabolismo pela transformação dos sais ferrosos em sais férricos. Não há dúvidas de que enzimas secretados por essas bactérias favorecem a oxidação do ferro. São encontradas com muita frequência nas canalizações.

As bactérias sulfato-redutoras - como o vibrio desulfuricans - sendo anaeróbias, podem ser encontradas abaixo das camadas de ferrugem, em contato com o metal.

Quanto às sulfobactérias, elas metabolizam o enxofre.

Podemos citar ainda a galionela ferruginea, que ataca o ferro e provoca o surgimento de bolhas e tubérculos em sua superfície.

A importância dos fatores bacterianos nos fenômenos de corrosão tendo sido constatada apenas recentemente, ninguém duvida hoje que degradações importantes, até mesmo com materiais de alta resistência, sejam devidas, em parte, à ação dos microorganismos.

Esse tipo de corrosão atacando essencialmente o ferro fundido enterrado ou que veicula matérias orgânicas, é altamente provável que ela não afete, ou pouco afete, as peças artísticas.

 

IV-2-e - Corrosão sob tinta

 

Julgamos importante dedicar um parágrafo à corrosão sob tinta. Este  é, certamente, um dos casos encontrados com mais frequência e no qual o restaurador deparar-se-á com vários tipos de corrosão - química e eletroquímica, mais especialmente.

Buscaremos inspiração nos trabalhos de Henri Leidheiser, cujas pesquisas sobre a corrosão do metal pintado são do maior interesse.

Leidheiser preconiza que a corrosão dos metais depende de três fatores:
1/  A natureza do metal suporte
2/  As características e a natureza da interface metal-revestimento.
3/  A natureza do revestimento

O restaurador Stéphane Pennec acrescenta:
4/  O modo de aplicação.

Este último engloba os parâmetros humanos inerentes à aplicação, a saber: qualidade da limpeza, prazos entre a preparação do metal e seu recobrimento, índice de umidade da superfície, etc... Tais parâmetros são, com frequência, negligenciados visto que raramente notificados nas observações em escala real ou idealizados nos testes de laboratório.

A proteção através de revestimento orgânico envolve dois mecanismos:
- o revestimento serve de barreira contra os reagentes, a água, o oxigênio, os ions,
- o revestimento serve de reservatório de inibidores, auxiliando o metal a resistir aos ataques.

Podemos concluir daí que, quanto mais espesso for o revestimento, melhor ele protegerá o metal. Podemos também destacar que a qualidade da proteção do metal é proporcional à longevidade do revestimento (resistência às alterações mecânicas e térmicas, químicas e fotoquímicas).

Leidheiser classificou em 6 diferentes tipos os problemas de corrosão sob revestimento orgânico:
1/  Formação de bolhas
2/  Surgimento rápido da ferrugem (esse fenômeno pode ocorrer quando  uma tinta látex é aplicada sobre um suporte de ferro decapado)
3/  Flash rusting (fenômeno análogo àquele que acontece quando aplicamos uma tinta em fase aquosa sobre ferro)
4/  Corrosão anódica do metal suporte (mais especialmente sobre alumínio e, às vezes, sobre ferroso quando este é artificialmente colocado em anodo por uma corrente imposta)
5/  Corrosão filiforme (tipo de corrosão anódica que se apresenta na forma de filamentos de propagação da corrosão)
6/  Corrosão catódica do suporte (separação do revestimento quando o metal suporte é artificialmente colocado em catodo).

Veremos a seguir como podemos lutar contra esses diferentes tipos de corrosão.

IV-3 - DESGASTE E DESORDENS MECÂNICAS  

Caso as peças artísticas em ferro fundido não sejam submetidas a nenhum movimento ou fricção, não é possível falar em desgaste. Como já dissemos, as perdas de metal com o correr do tempo, uniformes ou localizadas, são devidas à corrosão.

Entretanto, convém examinar com atenção os pontos sensíveis, que correspondem à junção das montagens.

 

IV-3-a - As peças montadas

Certas estátuas têm elementos montados - braços, vestes, atributos - reunidos por encaixe ou rebitamento. O peso desses elementos montados, as vibrações às quais a estátua é submetida em ambiente urbano, a dilatação do metal sob temperatura elevada, irão provocar uma ligeira desolidarização dos elementos entre si, permitindo infiltrações com estagnações de água e de elementos poluentes químicos ou orgânicos. Convém considerar os danos causados pelas aves, principalmente os pombos, onipresentes nas cidades.

Em se tratando de chafarizes, os elementos montados são muito numerosos e submetidos à ação alternada da água e do ar, sem falar da poluição.

 

IV-3-b - As junções

A intercessão das partes montadas é, na maioria das vezes, protegida por uma junção: folha de chumbo ou mástique. Embora a folha de chumbo resista bem ao tempo, seu leve descolamento pode ser às vezes constatado. Os mástiques também perdem sua elasticidade, e portanto sua aderência, ou então desaparecem. Em quaisquer casos, as infiltrações fazem seu trabalho de corrosão sem que seus efeitos sejam observáveis.

 

IV-3-c - Os rebites

A resistência dos rebites de montagem, colocados na face interna das peças artísticas em ferro fundido, também deverá ser verificada. Caso sejam em ferro doce ou aço e a estanquidade não estiver mais assegurada no interior da estátua ou do chafariz, a corrosão atmosférica atacará o metal. O ferro e o aço corroendo-se mais rapidamente que o ferro fundido, as montagens irão fragilizar-se, e até mesmo deteriorar-se rapidamente fora de vista. O efeito de pilha galvânica também foi observado entre o ferro fundido suporte e o ferro ou aço dos rebites e parafusos.

Julgamos importante ressaltar o estado sanitário no interior das estátuas. Essa face oculta será, aliás, matéria de tratamentos apropriados que citaremos mais adiante.

IV-4 - OS ACIDENTES

Os acidentes podem ser:

- Fissuras ou trincas devidas quer a defeito no material não revelado na moldagem, quer a fadiga do metal mais especialmente solicitado em determinados lugares.

- Fraturas devidas a golpes, quedas ou tensões impedindo o livre movimento dos elementos montados entre si e submetidos a fenômenos de dilatação, vibração ou compressão das fundações.

- Na Europa, o gelo muitas vezes provoca fraturas quando a água estagna no interior das colunas dos chafarizes.

- Também é possível tratar-se de imperfeições ocorridas quando da moldagem, cujos reparos foram alterados ou desapareceram: bolhas ou pontos, retiradas ou aportes de material deixando espaços vazios, e outras imperfeições de superfície, reparadas quer por preenchimento de metal nas cavidades, quer com mástique.

Além disso, os orifícios para a evacuação do núcleo ou as hastes que mantêm o núcleo em suspensão dentro do molde foram submetidos a solda, vedação ou montagem cuja preservação no tempo requer uma restauração.

 

Elisabeth ROBERT-DEHAULT

Yves DELACHAUX
 

 

Antes de analisarmos as diferentes técnicas e fases da restauração, seria bom fazer um diagnóstico profundo a fim de determinar os procedimentos operatórios até o revestimento final. Com efeito, a escolha deste determinará a escolha das fases preparatórias.

No entanto, seria bom determinar um esquema de restauração compatível com um certo número de critérios:

- levaremos em conta especificamente o objeto a ser restaurado, em função de  seu estado, do local de exposição e de sua função,

- as técnicas escolhidas

- a qualificação das empresas escolhidas para cada fase da restauração,

- o orçamento

Por outro lado, no caso de peças artísticas tombadas, o parecer das autoridades culturais deverá ser colhido. Este poderá indicar até mesmo a conservação no estado da estátua com tratamento das partes corroídas com inibidores, revestimento protetor incolor e colocação sob abrigo - num museu, por exemplo. Stéphane Pennec estima que "tal solução, realizável para obras maiores que podem ser retiradas de seu contexto, parece inconcebível para estátuas das quais grande parte de seu significado reside na sua localização geográfica".

Por motivos deontológicos, a escolha da técnica mais próxima daquela adotada quando da  pintura da peça de ferro fundido poderá ser privilegiada de modo a restituir o aspecto original da obra.

Annick Texier, do Laboratório de Pesquisas de Monumentos Históricos, cita os minuciosos estudos estratigráficos realizados em amostras de tinta da ponte Alexandre III. Estes permitiram revelar, sob vinte camadas, as tonalidades da primeira tinta, determinando assim com precisão as tonalidades da reforma.

Considerando a qualidade e a longevidade dos produtos atuais, bem como o meio corrosivo onde se localiza as estátuas, a ampliação das opções e a análise das diversas possibilidades de restauro oferecerão novas possibilidades, tanto do ponto de vista das técnicas como das cores. No entanto, não deveremos tomar decisões precipitadas. Já nos deparamos com alegorias da Primavera pintadas de malva ou verde-maçã, de extremo mau gosto, embora as tonalidades tenham sido escolhidas por artistas.

Em quaisquer casos, os procedimentos operatórios deverão envolver um processo sempre reversível. Tomamos a liberdade de insistir nessa noção fundamental de reversibilidade, que implica numa reflexão prévia aprofundada e numa antecipação dos diferentes ataques, corrosivos ou não, que o material deverá sofrer nos próximos 30 ou 40 anos após a data de sua restauração. O desnudamento do metal e os reparos efetuados deverão permitir, a cada vez, um retorno ao estado original, sem nenhuma degradação.

Os capítulos seguintes, que tratam do restauro das peças artísticas em ferro fundido, foram redigidos a partir da nossa própria experiência pessoal, da experiência da fundição de arte G.H.M. e de empresas especializadas no restauro ou na decapagem e revestimento de metais: Fundação Coubertin em Paris, LP3 em Semur-en-Auxois, Champenoise de Traitement de Surface em Vitry-le-François, e também a partir das orientações e da documentação do Centro Técnico das Indústrias de Fundição, e de estudos descritivos muito completos sobre a restauração da ponte Alexandre III e de diversos monumentos dentre os quais nove estátuas do átrio do museu d'Orsay, em Paris (seis das quais foram produzidas com o mesmo ferro fundido das estátuas do Brasil).

V-1  RESTAURAÇÃO E REFORMA

V-1-a  -  Diagnóstico

O diagnóstico deverá considerar:
- o estado do revestimento (pintura em geral)
- a análise das camadas e da interface metal-revestimento,
- a análise da corrosão: espessura, localização, forma: ferrugem, grafitização; tipo: corrosão química, eletroquímica ou bioquímica,
- a análise da estrutura do metal suporte,
- a auscultação profunda dos defeitos de ajuste e das junções,
- a verificação da face oculta ou interna da peça,
- a listagem das partes fraturadas e/ou que faltam.

 

V-1-b  -  Desmonte e transporte

Salvo para o caso dos chafarizes monumentais, é preferível desmontar as peças de modo a poder tratá-las ao abrigo do ar úmido e sem temer as variações climáticas.

O ferro fundido cinzento a grafite lamelada do século passado sendo particularmente quebradiço e os efeitos da corrosão fatores fragilizantes, será conveniente tomar todas as precauções durante as operações de desmonte e transporte.

 

V-1-c  -  Limpeza e decapagem

Em caso de obra montada, dissociar cada parte e tratá-la em separado. As montagens sendo geralmente feitas por aparafusamento das bordas inferiores, não é raro, como já dissemos, constatar a existência de fenômenos eletrolíticos.

A finalidade da limpeza é "atingir o metal sem prejudicar a epiderme da peça" (B. Mouton, arquiteto-chefe, inspetor geral dos monumentos históricos).

Existem várias técnicas de limpeza e decapagem, todas elas requerendo estritas precauções de utilização de forma a evitar quaisquer deteriorações nas áreas em exibição ou abrasão das arestas. No caso da ponte Alexandre III, em Paris, diversos testes foram realizados. A decapagem pode ser feita por:

. remoção da camada superficial de ferrugem e poeira com escova metálica,

. jateamento a seco com escória de alto-forno triturada a 500 microns, pressão de 4 bars. Esse abrasivo é muitas vezes indicado  em virtude de sua neutralidade em relação ao suporte e de seu nível médio de agressividade. A técnica permite liberar a superfície dos produtos de corrosões externas pouco aderentes e devolver à escultura um estado de superfície mais homogêneo.

. Jato de abrasivo Jet RazR, silicato resultante de fusão em alta temperatura e rápido esfriamento, para ser projetado a cerca de 6 bars na saída de bico.

. Bilhas finas de aço ou de ferro fundido hematita, cujo efeito preenchedor e alisante elimina os riscos de pontos.

. Bilhas angulares com pressão de 3 a 7 bars, permitindo a obtenção de uma superfície rugosa do ferro fundido, capaz de receber a metalização.

. Jato de abrasivo úmido: o hidro-areamento é praticado com rugosidade 20/30 e poeira de silício com pressão de 120 a 200 bars. Os controles no decorrer dos trabalhos são difíceis. A decapagem resultante é correta, apesar de longa nas partes muito cavadas. A formação de flor de ferrugem requer, antes da aplicação da tinta, um tratamento de superfície. Não há abrasão de relevos em baixa pressão.

. Decapagem por altíssima pressão: jato d'água de 1.200 a 1.500 bars com bicos rotativos de 1,5 a 2 mm de diâmetro. Essa técnica não proporciona resultados suficientemente satisfatórios em virtude das limitações que impõe. O consumo d'água é especialmente volumoso (60 l/min) e a pressão parece ser demasiadamente elevada para peças em ferro fundido. É impossível visualizar-se a superfície no decorrer dos trabalhos. A logística dessa técnica é pesada.

. Processo pelo frio: o processo Cryoclin, patenteado pela C.E.A. e difundido por Linde Gaz Industriel, é a projeção de bilhas de gelo de 1 mm de diâmetro formadas em nitrogênio líquido (-180 graus C) sob pressões de 3 a 30 bars, com vazão de gelo de 1,2 kg/min. Tal processo age por efeito térmico e muito pouco por abrasão. A eficácia do método é moderada. As camadas superficiais de tinta são eliminadas mas a decapagem para o desnudamento do metal é impossível.

. Apenas como lembrete: a projeção de bilhas de gás carbônico gelado, um novo processo testado por Air Liquide, e o laser, utilizado para a pedra.

As três técnicas mais utilizadas são jateamento a seco com escória ou bilhas esféricas ou angulares. Em quaisquer casos, o preparo da superfície obtida por decapagem deve estar conforme ao sistema escolhido (geralmente, grau de cuidados (DS) 2,5, com rugosidade N 10 Bd).

O interior da estátua também poderá ser limpo por  jateamento leve, caso a ferrugem esteja desempenhando seu papel protetor, ou por jateamento mais profundo, caso um revestimento seja necessário.

 

V-1-d  -  Remoção da poeira e secagem

Após a decapagem, a poeira do material será removida com ar comprimido e, em seguida, com escova. Mais tarde,  a peça será cuidadosamente seca por meio de tocha a gás a uma temperatura máxima de 70 graus C, ou por estufagem.

A remoção da poeira e a secagem deverão ser feitos com o maior cuidado para evitar que subsistam quaisquer vestígios de poeira ou umidade.

 

V-1-e  -  Nova vedação - reparo

 

A nova vedação será feita por meio de mástique poliester ou epoxi. Existem diferentes tipos desses materiais. Para as partes que faltavam da ponte Alexandre III, optou-se por um mástique epoxi alu, endurecendo sob temperatura ambiente e apresentando excelente adesão em estrutura metálica. Existem também mástiques epoxi carregados em ferro fundido.

A escolha do mástique será determinada pelo revestimento final e pela aderência deste.

Para os reparos, diversas técnicas poderão ser adotadas.

 

Ornamentos quebrados cujas partes são recuperáveis:

. Montagens reforçadas por pinos e placas: duas partes quebradas podem ser unidas e assim mantidas por meio de pinos ou placas fixadas na traseira ou no interior da peça através de rebites ou parafusos. Deve-se perfurar o ferro fundido com todo cuidado de modo a não provocar fissuras ou lascas.

. Montagem por colagem: a montagem borda a borda ferro fundido/ferro fundido não sendo confiável e a configuração das peças a serem coladas nem sempre permitindo a contra-colagem de um elemento de reforço em seu lado oposto, será conveniente prever  a utilização de pequenos pinos colados no interior de orifícios praticados na espessura das duas peças a serem montadas. O adesivo preconizado pertencerá à família dos epoxis de forma a assegurar uma montagem muito sólida, durável no tempo e apta a transferir as tensões entre os materiais montados. Essa técnica foi adotada com êxito nos trabalhos da ponte Alexandre III, usando um adesivo epoxi bi-componente para utilização sob temperatura ambiente. 

. Solda: embora o ferro fundido não aceite bem a solda, podemos tentar soldá-lo com uma vara de ferro fundido, pobre em níquel, por solda a arco elétrico. Se o material estiver muito alterado, a solda será difícil devido à presença de óxidos contidos no metal. Por outro lado, os ferros fundidos antigos têm elevada taxa de fósforo. Apesar desse material favorecer a fusibilidade, ele provocará uma ebulição no momento da solda. Por fim, o calor liberado pela solda pode provocar fraturas ou lascas junto à parte a ser reparada. Portanto, embora a solda seja aparentemente um remédio rápido e pouco oneroso para os problemas de fratura, seu processo deverá ser evitado, sendo mais aconselhável dar preferência aos mástiques epoxi ou poliester.

Restituição das partes que faltam em ornamentos quebrados:

Várias técnicas podem ser adotadas:

. a tomada de impressão com elastômero de um elemento similar e a moldagem de uma nova peça em ferro fundido que será reinserida por colagem, inserção de pinos ou qualquer outro método de montagem,

. a sobremoldagem, isto é, a tomada de impressão diretamente na areia do elemento similar a ser remoldado em ferro fundido.

Em ambos os casos, deveremos levar em conta a retração de 1% do ferro fundido, que poderá causar problemas na montagem. Ademais, a delicadeza dos detalhes e o relevo da peça correm o risco de empobrecerem com a sobremoldagem.

. A produção das peças que faltam em resina é uma solução interessante, tanto por motivos técnicos quanto financeiros. A resina pode ser posta em fôrma num molde sumário e trabalhada mecanicamente após seu endurecimento de modo a acabar sua geometria e seu relevo. O molde sumário colocado em contado com o ornamento pode, além disso, permitir uma colagem direta, e os custos da realização serão menores que uma restituição em ferro fundido (técnica utilizada para a ponte Alexandre III - dossiê B. Mouton).

A resina sintética deverá ser da mesma natureza química que os adesivos, comportando no entanto uma carga metálica que lhe conferirá propriedades coesivas importantes bem como uma viscosidade que permita apor-lhe formas.

O produto de carga poderá ser alumínio ou ferro fundido.

A moldagem das peças que faltam poderá ser realizada através da pré-formação das partes diretamente sobre o ornamento (boa qualidade de adesão sobre o ferro fundido), ocorrendo em seguida o trabalho mecânico, realização da geometria exata.

- Juntas entre os ornamentos

A montagem dos ornamentos será realizada por meio de pinos e grampos. Um espaço vazio será conservado entre eles em previsão da dilatação.

O produto para junção deve poder ser pintado e possuir propriedades elásticas, bem como boa resistência à umidade. As resinas epoxi carregadas em polímero elástico atendem a estes requisitos. 

 

V-1-f - Tratamento de superfície

 

Inibidor de ferrugem

Existem produtos inibidores cujos princípios ativos transformam, estabilizam e neutralizam quimicamente a ferrugem. O metal é protegido e uma tinta de acabamento é diretamente aplicável.

 

- Óleo de linhaça

Quando se pretende conservar o aspecto original ou oxidado da peça, ou seja, uma tonalidade vermelho escuro, é possível recobri-la, após decapagem parcial, com uma ou duas camadas e óleo de linhaça acrescido de sicativo. Tal solução tem a vantagem de ser extremamente simples, econômica e inteiramente reversível. Seus inconvenientes residem na frequência da vigilância e da conservação. Essa solução, que utilizamos para nosso modelos em ferro fundido expostos, foi testada com sucesso na primeira metade do século XIX em chafarizes da praça Concorde em Paris, após um douramento que não resistiu ao tempo.

 

- Cera microcristalina

Um dos mais simples e neutros tratamentos de superfície é sem dúvida a aplicação de uma cera microcristalina mineral, especialmente concebida para a proteção exterior dos metais.

A cera assegura uma forte barreira contra o meio ambiente atmosférico, mais especialmente a água. A neutralidade química da cera  assegura, com o passar do tempo, uma proteção de qualidade eliminando os riscos de corrosão provocados pela acidificação do revestimento.

Ademais, a manutenção da cera pode ser realizada mais facilmente do que os vernizes e resinas, bastando uma simples limpeza e uma nova aplicação a cada dois ou três anos. Os revestimentos do tipo verniz supõem, com efeito, para sua renovação ou manutenção, uma limpeza total da superfície por jateamento, seguida de nova aplicação. A escultura, após limpeza e proteção, apresenta um aspecto ligeiramente mais escuro. A peça conservará seu aspecto corroído vermelho escuro.

A cera pode ser aplicada tanto sobre o metal desnudado como sobre o decapado porém ainda recoberto por fina camada de óxido de ferro, desempenhando simultaneamente um papel protetor e colorante no ferro fundido, ou ainda sobre a tinta. A aplicação é feita em três camadas.

Uma controle anual deverá ser previsto e determinará a frequência da manutenção (2 a 5 anos). Esta consistirá numa lavagem a água sob pressão, escovação manual com escova de nylon flexível com um tenso-ativo seguida de enxágue a água. Após um leve secagem (tocha a gás), aplicação de cera microcristalina, se possível idêntica àquela de origem.

Para a restauração de "Demeure Miroir" (Residência Espelho), uma escultura em ferro fundido de Etienne Martin, adquirida pela CFDT para sua sede em Paris, foi realizado um jateamento a seco com escória triturada a 500 microns, projetada sob pressão de 4 bars. Uma leve camada de óxido de ferro foi mantida. Após a remoção da poeira e a secagem, uma cera microcristalina mineral foi aplicada, dando-lhe um aspecto ligeiramente mais escuro porém conservando seu aspecto corroído, patinado, conforme o desejo do escultor.

 

- Metalização

A metalização consiste na projeção a quente de um metal sobre uma superfície previamente preparada no intuito de isolar o ferro fundido de qualquer corrosão. Na empresa GHM, utiliza-se o seguinte processo:

1 - limpeza e preparo da peça por projeção de bilhas angulares (ferro fundido hematita) a seco, sob pressão de 5 a 7 bars,

2 - metalização, meia hora após o jateamento, por projeção em fusão de uma camada de zinco+alumínio (85 / 15%) - espessura de cerca de 80 microns, 

3 - remoção da oleosidade e fosfatação por passagem num túnel onde as peças são borrifadas com ácido e, em seguida, com detergente de modo a suprimir os corpos graxos. A fosfatação é realizada com o objetivo de proporcionar um melhor preparo à tinta. Cada operação é seguida de enxágue e escorrimento (no caso de tinta líquida, essa operação não é realizada).

4 - passivação por tratamento das peças em cromo, 

5 - enxágue na água desmineralizada com troca de ions,

6 - estufagem até 190º C. Secagem e colocação sob temperatura para a aplicação do pó.

7 - aplicação da tinta em pó sobre as peças aquecidas a 130 / 140º C,

8 - cozimento durante 10 min. a 180º C.

Para restaurar a deusa Marne e o chafariz de Vitry-le-François, a empresa C.T.S., especializada em tratamentos de superfície, utilizou a seguinte técnica:

. desnudamento por projeção de bilhas angulares a 7 bars. A superfície é rugosa,

. secagem por estufagem,

. projeção a quente de zinco (100% ou mistura de zinco e alumínio: 85 e 15%).

Espessura: 80/120 microns. A operação foi feita com maçarico derretendo o fio de zinco arrastado automaticamente,

. pré-revestimento ("wash primária"), também denominada "veda-poros" (esse revestimento, em contato com o ar, irá fabricar sais de zinco que vedarão os poros do metal), com uma camada epoxi de poliamidas de fosfato de zinco.

. colocação em pintura.

A metalização tem nove anos de garantia e duração de vida de 15 a 20 anos. Esse período pode dobrar quando a manutenção da tinta da superfície é realizada regularmente.

Podemos citar os postes Oppenheimer da primeira ligação telegráfica internacional na Austrália. Tais postes em ferro fundido, galvanizados há mais de 100 anos, foram analisados. Após limpeza para a remoção da poeira acumulada, a espessura do zinco revelou-se de 310 microns: o suficiente para durar pelo menos até o ano 2100, e até mais!

 

- Tinta anticorrosão

Antes de qualquer processo de acabamento, o ferro fundido deve receber um tratamento anticorrosivo aplicado sobre uma superfície lisa, decapada, desempoeirada e completamente seca. Essa camada primária deve aderir bem ao metal, constituindo um inibidor dos pontos de corrosão. A escolha do pigmento é muito importante. Podem tratar-se de pigmentos:

. de ação básica e inibidores de corrosão por ação passivante: zarcão de chumbo,

. assegurando uma proteção anódica, como os cromatos de cálcio ou de zinco, os sílico-cromatos de chumbo. Os fosfatos, como o fosfato de zinco, asseguram também uma proteção anódica.

. metálicos, assegurando uma proteção catódica ou galvânica, como o zinco e o chumbo. As tintas ricas em zinco vedam os poros do metal, assegurando-lhe uma estanquidade perfeita .

"Os pigmentos de chumbo são mais eficazes quando se trata de tinta anticorrosão", escreveu Lambert. O mecanismo de ação desses pigmentos é complexo mas assegura uma proteção muito completa contra os diferentes tipos de agressão. A aplicação será feita por meio de escova ou rolo. A espessura estimada do filme seco é de 40 microns.

. inertes, como os óxidos de ferro, grafite de estrutura lamelada ou pós lamelados de alumínio ou de aço inox.

Em Paris, tanto para a estátuas do átrio do museu d'Orsay, restauradas na Fundação Coubertin, como para a obra de Fouques "Árabe no deserto" - denominada LP3 por Stéphane Pennec - optou-se por tintas fortemente carregadas em zarcão de chumbo. Durante a segunda restauração, Coubertin utilizou uma tinta zarcão parda-escura preferencialmente ao pigmento alaranjado habitualmente utilizado para o zarcão de chumbo, a fim de que a sub-camada transpareça o mínimo possível sobre as partes gastas pelo contato constante dos visitantes (varanda).

Já para os elementos em ferro fundido da ponte Alexandre III, foi preconizada uma tinta anticorrosão epoxi: uma camada sobre as faces visíveis e três camadas sobre as partes ocultas após a remontagem. A espessura do revestimento anticorrosivo deverá medir entre 100 e 120 microns, pelo menos.

O chumbo sendo altamente tóxico, os fabricantes de tinta estão se voltando cada vez mais para as tintas anticorrosão à base de zinco.

 

- Revestimento interno da estátua

Caso este necessite de proteção, faremos, após leve decapagem, uma projeção de revestimento anticorrosão. O betume fornece excelentes resultados e aplica-se por projeção através de pistola ou escova. Podemos também fazer uma metalização.

 

- Remonte

Após a aplicação do revestimento anticorrosão, efetuaremos o remonte dos grupos a serem montados. Os planos de junção serão recobertos com uma folha de chumbo de 1 mm de espessura. Esse processo, utilizado desde o século passado, visa melhorar o contato das peças e suprimir tensões ocasionadas por uma montagem direta. As peças serão, em seguida, aparafusadas com peças em inox ou em aço doce de modo a evitare o efeito pilha.

Em certos casos, será conveniente isolar o ferro fundido de elementos cuprinos. O isolamento será feito por meio de folhas autocolantes de teflon, a exemplo do que ocorreu na ponte Alexandre III.

Embora nossa pesquisa não tenha encontrado sinais de fenômeno eletrolitíco entre o ferro fundido e o chumbo, permitimo-nos orientar a sua opção para o teflon.

 

- Pintura intermediária

Essas camadas intermediárias asseguram ao revestimento uma espessura suficiente para preencher as desigualdades de superfície. Por outro lado, elas reforçam o poder anticorrosivo da camada primária e favorecem a estanquidade do conjunto, não assegurada pela camada primária, frequentemente porosa.

Sobre as partes metálicas da ponte Alexandre III, uma camada intermediária aleogliceroftálica de 40 microns foi aplicada de modo a reforçar os sistemas gliceroftálicos sobre o metal externo.

 

- Pintura de acabamento

As tintas de acabamento, a exemplo do revestimento anticorrosão, deverão ser escolhidas entre os produtos homologados pelo ministério envolvido. Na França, trata-se do Ministério do Equipamento. A homologação consta da classe HAU 1: proteção das partes à vista sob atmosfera urbana ou industrial das obras aéreas.

Verdadeira barreira contra os ataques da corrosão, ela deverá ser estanque e, naturalmente, participar do aspecto estético desejado.

Além das especificidades em matéria de carga e de pigmentos, as tintas diferem entre si pela natureza química de seus ligantes, que podem ser termoplásticos ou termoendurecedores.

Os ligantes termoplásticos podem ser amolecidos por aquecimento ou solubilização em solventes, ou endurecidos por resfriamento de modo repetitivo. Os ligantes termoendurecedores, sob a ação do calor e/ou na presença de catalisadores, adquirem uma estrutura indeformável.

Podemos também distinguir os ligantes pelo seu modo de secagem e por suas funções químicas (alquida, epoxídica, acrílica, etc.).

Os ligantes termoplásticos endurecem ou secam por fusão, seguida de solidificação de uma resina em pó ou por evaporação de solventes (secagem ar ou estufagem forçada).

Os ligantes termoendurecedores endurecem por oxidação (alquidos), reação química de vários componentes (epoxídicos, poliuretanos), ou por polimerização (poliésteres, silicones, fenoplastas).

Distinguem-se dois tipos de tinta:

 

- Tintas liquidas:
. preparação (epoxi)
. poliuretano, especialmente resistentes nos meios urbanos e marítimos, para ser utilizado em acabamentos, no caso de ambiente úmido,
. glicero (tinta à base de resinas alquidas).

 

- Tintas em pó:
. poliester (boa resistência aos U.V.)
. mista (80% epoxi e 20% poliester) destinada aos interiores
. epoxi (peças mecânicas e hidráulicas), seca e endurece por reação química. Resiste bem às agressões: poluição, corrosão, sol. Tem o menor índice de permeabilidade.

 

A aplicação será feita
. a frio com tinta liquida
. a quente com pintura em pó: aplicação sobre peças aquecidas a 130/140º , seguida de cozimento durante 10 min a 180º.

Três camadas são geralmente aplicadas.

Entre cada camada, poderemos executar um leve lixamento de modo a facilitar a aderência da camada seguinte.

Cada camada deverá ter uma coloração ligeiramente diferente. Isto para a comodidade do operário, que assim poderá verificar a homogeneidade e a uniformidade de seu trabalho. Por outro lado, por meio de fotos, o cliente poderá verificar a quantidade de camadas aplicadas.

As vantagens e desvantagens da pintura projetada a quente são: duração de vida mais longa porém com alterações por placas. A restauração pede decapagem completa. As tintas tradicionais têm duração de vida menor porém autorizam os retoques ou camadas suplementares sem o tratamento de fundo.

 

- Revestimento de bronze, cobre ou ouro

Caso se pretenda recobrir com bronze ou cobre a estátua restaurada e no intuito de impedir os riscos de corrosão eletrolítica, um processo foi aperfeiçoado, consistindo em metalizar a zinco a estátua desnudada. O cobre ou o bronze será projetado por aplicação a quente. A espessura do revestimento será então de 500 a 1000 microns.

Não evocaremos aqui a douração, que pode ser feita através de dois processos. Ela aplica-se essencialmente sobre bronze, como para os quatro grupos pégasus, ou cavalos alados, da ponte Alexandre III, fundidos pelas fundições artísticas de Sommevoire e Val d'Osne em 1900. Aparentemente, as obras exportadas para a América do Norte e América Latina não foram beneficiadas com este tratamento.

 

- Verniz ou cera

Um verniz final poderá ser aplicado. Será conveniente que ofereça boa resistência aos raios ultravioletas. Os vernizes são encontrados na mesma gama que as tintas:
. em glicero ou resinas alquidas,
. em poliuretano
. em epoxi e poliéster.

A cera microcristalina poderá também ser utilizada na pátina final.

 

- Repouso

A ser feito com cuidado de modo a evitar qualquer risco de quebra ou alteração do revestimento. As peças poderão ser colocadas sobre calços de forma a assegurar uma ventilação no interior da estátua.

V-2   - MANUTENÇAO, PREVENÇAO

A escolha da restauração, desde a decapagem até o revestimento final, constitui a melhor prevenção. Com efeito, cada técnica e cada produto foram selecionados com a finalidade de barrar os ataques corrosivos e os efeitos nocivos do sol nas pinturas e vernizes.

Os tratamentos básicos preconizados são: a lixiviação a água sob pressão, o escovamento com um produto tensoativo, o enxágue, seguido de secagem e da eventual renovação da aplicação de uma camada protetora: cera microcristalina, tinta, verniz.

Conforme o tipo de revestimento e sua duração de vida, a operação deverá ser feita:

. a cada 2 a 5 anos, para as ceras microcristalinas,

. a cada 3 a 5 anos, para as tintas tradicionais,

. a cada 10 anos, para as tintas aplicadas a quente,

. a cada 15 anos, caso tenha havido metalização.

A restauração constituindo um momento complexo na vida da obra em ferro fundido, tanto em função de seu custo quanto pelos riscos corridos por ocasião do desmonte, transporte e desnudamento do metal, convém elaborar um histórico preventivo e curativo, que poderá ser registrado sob a forma de uma ficha na qual as informações abaixo estarão indicadas:

 

Designação da obra de arte em ferro fundido
- localização
- nome do escultor e do fundidor
- dimensões, peso
- data de instalação
- características do material
- data da restauração
- meios utilizados e características da restauração,
- tipo de revestimento,
- frequência e tipo de controle,
- técnicas de manutenção preconizadas,
- calendário
- próximo vencimento.

 

Em quaisquer casos, será conveniente solicitar o parecer de pessoas ligadas à arte de modo a poder optar pela melhor solução. As pesquisas fazem evoluir os produtos muito rapidamente. Além do progresso, dos modos ou da prolongação do tempo de vida dos revestimentos, nunca deveremos perder de vista a noção de REVERSIBILIDADE, primeiro parâmetro a ser levado em consideração.

 

Elisabeth ROBERT-DEHAULT

Yvers DELACHAUX

Laurent MÉTIVIER

 

Quadro I - DETERMINAÇÃO DAS CAMADAS SUCESSIVAS DE TINTAS NUM SISTEMA

 

CAMADA PRIMÁRIA REATIVA

Fina camada aplicada diretamente numa base metálica destinada apenas a assegurar a aderência das camadas seguintes

      

CAMADA PRIMÁRIA

Camada de verniz ou de tinta sobre uma base não absorvente

 

CAMADA DE REFORÇO (facultativo)

Camada aplicada numa camada primária de composição idêntica ou muito próxima

 

CAMADAS INTERMEDIÁRIAS

Camadas de verniz ou de tinta aplicadas numa camada primária ou de impressão ou, eventualmente, numa camada de reforço e apta para receber quer uma nova camada intermediária, quer uma camada de acabamento, de revestimento, de superfície

 

CAMADA DE REVESTIMENTO (facultativo)

Camada de acabamento de característica decorativa marcante

 

SUB-CAMADA DE ACABAMENTO

Camada realizada por meio da mesma tinta que a camada de acabamento

 

CAMADAS DE ACABAMENTO

Camadas terminais de um sistema de tintas em contato com o meio externo

 

1 - Composição de uma tinta

 

Quadro 2 - OS PIGMENTOS ANTi-CORROSÃO

 

Quadro recapitulativo em função dos campos de utilização

 

R = recomendado

* = utilização possível

Tipos

Pigmentos

Ambiente

rural ou urbano

Ambiente

marítimo

Ambiente

industrial

Aplicações

Especiais

Observações

I

Pigmentos plúmbeos:
- sílico-cromato básico de chumbo
- zarcão de chumbo
- pó de chumbo

*

*

R

 

Eficazes na anticorrosão. Tóxicos

II

Cromato de chumbo
+ óxido de chumbo

*

*

*

PPR

Utilizado nos acabamentos. Tóxico.

III

Ortoplumbato de cálcio

*

*

*

Superfícies galvanizadas novas

 

IV

Zinco metálico + óxido de zinco

R

R

Desaconselhado
quando não
protegido

 

Utilizados em pH compreendidos entre 6,5 e 10

V

Cromato de zinco + óxido de zinco

R

*

Desaconselhado
quando não
protegido

 

Uma boa preparação de superfície é necessária (tóxico)

VI

Tetrahidroxicromato de zinco

*

*

*

PPR

Acomoda-se sobre suportes sumariamente apropriados. Soldagem e recorte possíveis

VII

Ortofosfato de zinco

R

R

R

 

Ação inibidora limitada, geralmente associado a outros pigmentos, fosfato de zinco, óxido de zinco

VIII

Fosfato de cromo

*

R

*

PPR a 1 componente

O pó de alumínio é sensível aos ácidos, pigmentos extremamente reativos.

IX

Óxido de ferro micáceo

*

*

*

 

 

X

Pó de aço inoxidável
Pó de alumínio

*

*

R

Ambientes ácidos. Alta temperatura

 

 

MODELO DE QUESTIONÁRIO

 

1 - DEFINIÇÃO DA PEÇA A SER PINTADA

- Dimensões
- Peso

  Ferro Fundido
  Aço       Alumínio
  Zinco ou aço-zinco
  Cobre
  Plástico ou Elastômero    -    Natureza:
  Outro

- Quantidade de peças por série
- Frequência das séries
- Estado da superfície

  bruto da fundição
  laminada
  engordurada, oleosa
  oxidada

 ligeiramente
 média oxidação
 fortemente

calaminada
pintada
outro

2 - FUNÇÃO DA TINTA

- Decoração
- Efeitos especiais
- Anticorrosão
- Outro objetivo

3 - ATMOSFERA

- Em áreas internas

atmosfera seca
atmosfera úmida

- Em áreas externas

  atmosfera rural temperada
  atmosfera urbana temperada
  atmosfera tropical
  atmosfera industrial
  atmosfera marinha

4 - TENSÕES QUÍMICAS ESPECIAIS

- Em imersão  ou em contado com:

água doce
água salgada
óleo
solvente (natureza)
ácido (natureza, pH)
bases (natureza, pH)
sais (natureza, pH)
outros

- Em imersão (marinagem): natureza do ambiente químico:

gás sulfuroso
gás carbônico
vapor d'água, condensação
fuligem
outras

5 - TENSOES FÍSICAS ESPECIAIS

- Temperatura de utilização  mínima /  máxima
- Choque térmico
- Forte resistência à luz
- Resistência ao abrasamento
- Resistência a choques
- Insonorização
- Outros

    6 - OUTRAS TENSÕES

- Contato alimentar
- Fungicida, bactericida
- Ignifugação
- Hidrofugação
- Outro

 

7 - MEIOS DISPONÍVEIS PARA O TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE

- Remoção da oleosidade

manual
a jato sob pressão
a vapor
por imersão
por túnel
outro

- Decapagem mecânica

escovamento
esmerilamento
lixamento
areamento ou
bilhagem
outro

- Decapagem química

instalações

- Conversão química

em túnel a jato
por imersão
fosfatização por aço
cromatação por alumínio

 

8 - MEIOS DISPONÍVEIS PARA A APLICAÇÃO

- Em canteiro

- Em oficina

escovas, rolos

pistola


   convencional ar
   air less
   eletrostática: liquido
   eletrostática: pó

imersão
flow coating
eletrodepósito
banho fluidizado
outro

9 - MEIOS DISPONÍVEIS PARA A SECAGEM

-  A rapidez da secagem é imperativa? sim ( )  não ( )

secagem ar
forno (secagem ar forçado) até 80º C
forno (160-200º C)
alta frequência
ultravioleta
radiação eletrônica
infravermelho

10 - OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Espessura de revestimento prevista ou preconizada por caderno de encargos
Quantidade de camadas
Preço previsto por ......  de espessura seca depositada.


 

PROCESSOS DE TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE

Decapagem
sumária
Reparo Patinagem Inibidor
fosfatante
Cera
microcristalina
    GARANTIA
__________
2 anos
renovável
Decapagem
metal
branco
Reparo Inibidor ou
pintura anti-corrosão
Pintura de
acabamento
gliceroftálica 2 a 3 camadas
      de 3 a 5 
anos
renovável
Decapagem
metal
branco
Reparo Desnudamento Metalização
= 80 u
1 camada
preparatória
epoxídica
2 a 3 camadas de pintura acabamento poliuretano   10 anos
retocável
Decapagem
metal
branco
Reparo Desnudamento Metalização
= 80 u
Camada
preparatória
epoxídica
Pintura em pó poliéster SOMENTE
EM 
OFICINA
15 anos
não
retocável

Para tomarmos consciência da extraordinária influência do mobiliário na atmosfera de um lugar, basta  uma pequena experiência: num local bem mobiliado - como a praça Concorde ou a ponte Alexandre III em Paris, o Jardim Botânico, o Campo de Santana ou a praça Monroe no Rio de Janeiro -, pare, feche os olhos e imagine esses mesmos locais com suas luminárias, balcões, estátuas e chafarizes em ferro fundido substituídos por modelos de materiais medíocres ou mais contemporâneos. Em seguida, faça a experiência inversa num local mobiliado "modernamente". Você constatará o quanto as formas e cenários que autorizam o ferro fundido participam do ambiente mágico destes lugares.

Assim, o ferro fundido está para nós associado às paisagens urbanas e aos prédios do século XIX. As ruas das principais metrópoles do planeta - Paris, Londres, Barcelona, Viena, Berlim, Munique, Constantinopla, São Petersburgo, Nova York, Washington, Filadélfia, São Francisco, México, Buenos Aires, Rio de Janeiro, etc, etc., passando por Cairo, Tokio, Cidade do Cabo e muitas outras - ornaram-se com esse material a partir de 1830, início da industrialização do ferro fundido na Europa até o final do século.

Desde 1870, o aço, e depois o ferro, substituem paulatinamente o ferro fundido nas estruturas. A utilização do ferro fundido na construção foi reduzida a aplicações decorativas, felizmente ainda bastante numerosas até o final do século.

Enfim, o aço moldado substituirá o ferro fundido, até mesmo no setor do mobiliário urbano, pois possibilita luminárias mais altas, permitindo melhor iluminação das calçadas com lâmpadas cada vez mais potentes e, em caso de distúrbios, como os de 1936, o aço inquebrável não poderá ser utilizado para fins agressivos...

O uso do ferro fundido na arquitetura ficou então reduzido à reprodução de modelos antigos, utilizados para a restauração de locais do século XIX, ou para criar efeitos pitorescos e nostálgicos de uma era ultrapassada.

As realizações de Guimard para os acessos do metrô de Paris serão as últimas utilizações arquiteturais importantes desse material.

Paralelamente, e até 1975, os acontecimentos se sucederam:
- explosão demográfica,
- necessidade de reconstrução e reabilitação após as duas grandes guerras,
- desenvolvimento geral da eletrificação,
- democratização da demanda.

Todos estes parâmetros contribuíram para uma forte demanda por parte das cidades, obrigando os responsáveis a buscarem materiais menos onerosos.

Durante esses anos, assistimos a uma revolução no tocante ao mobiliário urbano! As luminárias "obras de arte" tornam-se tubos de aço, postes em madeira, concreto, poliéster ou alumínio... O mesmo ocorre com todo o mobiliário. Isso acarretou uma redução relativa dos custos unitários de cada elemento, permitindo às cidades se equiparem a custos menores.

A partir dos anos 70, no oeste europeu, o contexto evolui:
- a demografia estagnou-se,
- não há mais nada para se reconstruir,
- a eletrificação e a iluminação urbana já estão generalizadas,
- salvo exceções, o mais urgente já foi feito.

Falta substituir os produtos usados e, a pedido geral, as cidades querem novamente, como no século passado, valorizar seus locais e embelezá-los.

Os serviços técnicos das cidades se dão conta de que os materiais utilizados nesses últimos anos envelhecem mal.

Ainda em nosso países, o estado de paz estando generalizado há várias décadas, os responsáveis se encontram na mesma posição e são levados a planejarem  "a longo prazo".

Sua análise faz ressaltar que o ferro fundido, cujo preço continua acessível, possui, de longe, as melhores características. Não iremos aqui, no Rio de Janeiro, após ouvir diversas exposições lembrando as diferentes obras que fabricamos e instalamos, explicar-lhes novamente as vantagens do ferro fundido em matéria de envelhecimento, manutenção, etc...

 

Durante os anos 80, a moda "retrô" relançou um pouco esse tipo de produto. Empresas como GHM, herdeira de Antoine Durenne e Val d'Osne, foram muitas vezes levadas a realizar reproduções de modelos antigos. (Sempre insistiremos no fato de que não copiamos nenhum modelo... Todas as nossas produções de "estilo retrô" são reproduções executadas a partir de modelos originais...).

Nossa presença nesse mercado foi notada pelos criadores "modernos" que estavam à procura de um produto "novo"... Vê-se aí o paradoxo.

Uma empresa como a nossa, quando o mercado artístico em ferro fundido praticamente desapareceu entre 1930 e 1975/80, teve que reconverter-se... Assim, orientamos nossa atividade para a fundição industrial.

Nossas produções se voltaram para a hidráulica e a mecânica (daí se origina a nossa razão social dos tempos modernos: GHM). Nossos serviços técnicos, concebendo blocos motores para automóveis Peugeot, Citroën, Mercedes, assim como muitas peças  para empresas mundialmente famosas - Caterpillar, por exemplo -, ou ainda toda uma gama de produtos destinados à adução de água, modernizaram-se. Utilizamos agora as últimas novidades e os mais recentes conhecimentos técnicos.

Atualmente, qualquer produto que deve atender a rigorosíssimas normas de segurança pode, graças à nossa tecnicidade, ser fabricado em ferro fundido. Todos os cenários, designs, estilos e outras características podem se expressar nesse material.

O know-how que herdamos e a utilização de técnicas de vanguarda nos deram os meios para fabricar, atendendo os designers mais em voga, elementos aliando a maestria das qualidades plásticas do ferro fundido às qualidades estruturais do aço... alcançando, a longo prazo, a economia!

Recentemente, fabricamos para:
- a cidade de Paris: reforma da iluminação da praça Concorde e dos Campos Elíseos e fornecimento de numerosos chafarizes Wallace em complemento àqueles de 1874 que ainda existem,
- a cidade de Lyon: toda a linha de mobiliário urbano moderno, criada e desenhada por Jean-Michel Wilmotte,
- a cidade de Saint-Denis (região parisiense): todo o mobiliário cercando a linha de bondes, desenhado por Chemetov e Huidobro.
- várias cidades: mobiliário urbano em colaboração com a empresa Decaux e o famoso designer Philippe Starck,
- as cidades de Agde, Saint Etienne, etc., mobiliário urbano,
- os palácios dos reis e dos príncipes da Arábia Saudita e outros países "petrolíferos", a iluminação com candelabros de bronze.

Por outro lado, além de uma atividade de restauração das obras artísticas em ferro fundido do século XIX (elementos do acesso ao metrô Guimard, estátuas, etc.), continuamos a fundir estátuas e monumentos de artistas contemporâneos. O escultor César, por exemplo, trabalha frequentemente com fundições. Assim, realizamos recentemente o monumento do Ministério das Finanças, em Paris-Bercy, e o chafariz monumental do lago Der, o maior lago artificial da Europa.

Eles são, hoje, exemplares únicos. Embora o ferro fundido seja um material que sempre atrai os escultores, a arte em série saiu de moda.

Só há um obstáculo para a utilização do ferro fundido como estrutura de suporte no interior dos prédios: as normas de segurança! Com efeito, estas obrigam a recobrir de produtos corta-fogo, como o gesso, todas as estruturas de suporte metálicas situadas no interior dos prédios.

Quanto à parte externa, porém, dispomos de completa liberdade... e os arquitetos criadores e designers podem se entregar a ela totalmente livres! Postes de iluminação, suportes catenários dos bondes, balcões e balaústres, barreiras de segurança, mas também as estátuas até hoje fundidas, vasos e outras obras artísticas ornamentais em ferro fundido.

Para nós, um banco pode servir de assento, para repousar, dormir e/ou decorar. Um chafariz pode ser utilizado para matar a sede ou decorar. Há mais de um século, a fundição artística francesa não se afasta de um princípio que ela se fixou desde os primórdios da fundição artística do ferro: "fazer o belo dentro do útil" .

Yves DELACHAUX